O filme "Borderlands", em cartaz no cinema, é resultado do choque de forças criativas diferentes, um quadro comum na Hollywood de agora. Adaptação de uma série de jogos, ele vem na onda dos games no cinema americano, que busca aí novas ideias de franquia.

 

O lado da indústria se mostra o mais forte no longa com Cate Blanchett, o que está longe de uma boa notícia. O filme é uma bagunça vestida de blockbuster, empilhando um plantel de famosos em uma trama que sofre até para se explicar. As cenas de ação, no geral um atrativo, se perdem na montagem frouxa e na dependência dos efeitos visuais digitais.

 


Uma rápida consulta dos bastidores explica a confusão do filme. Depois de uma década no desenvolvimento, o filme teve uma produção turbulenta. Só o roteiro passou por incontáveis mãos, incluindo gente como Craig Mazin, de "The last of us", e Sam Levinson, de "Euphoria".

 




O dano maior é que o longa passou por refilmagens sem o seu diretor, Eli Roth, que tocava outro projeto na época. O trabalho ficou a cargo de Tim Miller, com um novo roteirista criando cenas para a história.

 


Portal em Pandora

Todo o puxa e repuxa por trás dos panos está em primeiro plano em "Borderlands", que tem uma premissa até simples. A história envolve uma caçadora de recompensas, papel de Blanchett, que ganha a missão de achar a filha de um poderoso empresário. Ela viaja a seu planeta natal, Pandora, e lá acaba se unindo à garota e a um grupo de meliantes para encontrar um portal recheado de armas poderosas.

 


Os problemas do filme já começam aí, porque ele se enrola para chegar nesse início. Depois de uma abertura que narra o universo da história, o longa ganha um prólogo sobre o resgate da tal menina, vivida por Ariana Greenblatt, de uma estação espacial. A cena termina sendo uma gordura imensa, feita para apresentar personagens que serão reintroduzidos para a protagonista mais tarde.

 


Depois disso a caçadora, enfim, aparece, e a trama avança como esperado. Ela recebe o trabalho do ricaço e vai para Pandora a contragosto, mas, chegando lá, a personagem fica indecisa sobre o rumo. A situação se resolve de forma hedionda – em uma narração, Blanchett resume a sua jornada para achar o caminho até a garota.

 


Momentos como esse mostram o quanto "Borderlands" ficou na mão de seus produtores, que aqui e ali abreviam a trama para torná-la assistível – e um tanto genérica. Para piorar, as poucas cenas que restam do retalhamento deixam evidente o bate-cabeça criativo, completo pela decisão de substituir o diretor para as refilmagens.

 


O interessante aí é o desafio de saber quem faz o quê no filme, porque Eli Roth e Tim Miller têm fins parecidos em matéria de cinema. Ambos são tratados como cineastas doentios por trazerem ao mundo "O albergue" e "Deadpool", longas que se equilibram no caricato e no gore.

 


Diferenças demais

Se esse status levou os dois ao projeto, depois disso as diferenças são demais para o filme. Roth está mais propenso à perversidade que Miller, por sua vez um nome mais interessado em efeitos digitais – ele começou a carreira no departamento. Um anula o outro, e a montagem passa a régua por cima dos dois.

 


A mente de um produtor pode ser muito cruel, e nisso "Borderlands" vira um filme histérico e apatetado. As cenas de ação denunciam tudo, porque mal se relacionam umas com as outras.

 


No início, por exemplo, uma perseguição de carros vira um show de destruição vazia, com explosões tão digitais que parecem de última hora. Já mais para a frente, a fuga dos personagens de um bando de psicopatas leva um peso estranho no corpo a corpo, entre tiros e murros trocados.

 


O elenco acompanha o desnível como pode, muitas vezes entediado. Cate Blanchett e Ariana Greenblatt ora ou outra se divertem com os papéis mais doidos, e Jack Black faz rir na voz do robô Claptrap, ícone da série. O resto vive de aparições feitas de surpresa e cara feia, incluindo Gina Gershon e Jamie Lee Curtis, e ninguém parece contente com o filme.

 


Esse piloto automático de Hollywood já virou piada de outras obras algumas vezes, como no filme "Acima das nuvens", de 2014, e na minissérie "Irma Vep", de 2022. As duas produções do francês Olivier Assayas têm atrizes que lidam com séries aborrecidas de fantasia, que fazem sucesso sem um pingo de criatividade e com excesso de tela verde.

 


"Borderlands" lembra esses filmes falsos, em especial por trazer a mesma impessoalidade. Ele está conformado demais em não ter o que mostrar e o que dizer, fruto de uma série de decisões para lá de equivocadas.

 


“BORDERLANDS: O DESTINO DO UNIVERSO ESTÁ EM JOGO”
(EUA, 2024, 100 min.) Direção: Eli Roth. Com Cate Blanchett, Kevin Hart e Gina Gershon. Classificação: 14 anos. Em cartaz em salas dos complexos Cineart, Cinemark, Cinesercla e Cinépolis.

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