Nada foi programado, muito antes pelo contrário. Filha caçula de Eduardo Moreira e Inês Peixoto, do Grupo Galpão, Bárbara Luz, de 22 anos, nunca pisou em um palco. Abraçou a carreira dos pais por outras vias – e sem interferência alguma deles, diga-se.

 




Tinha 10 quando fez uma participação no cinema e 14 quando interpretou sua primeira protagonista. Agora, prepara-se para o lançamento de “Ainda estou aqui”, primeiro longa-metragem de ficção de Walter Salles desde “Na estrada” (2012). A première será em 1º de setembro, em competição pelo Leão de Ouro do 81º Festival de Veneza.

 


Bárbara vive Nalu, a filha do meio (de cinco) do casal Eunice e Rubens Paiva. Inspirado no livro homônimo (2015) de Marcelo Rubens Paiva, “Ainda estou aqui” é centrado na luta de Eunice (Fernanda Torres) após a prisão (seguida de tortura e morte) do marido, o ex-deputado Rubens Paiva (Selton Mello), em 1971. Um dos mais notórios casos de desaparecimento político durante a ditadura militar (1964-1985), ganha no filme uma visão de dentro.

 


Até então uma dona de casa, Eunice estudou direito, formou-se já próxima dos 50 anos e virou símbolo da resistência. Durante décadas, denunciou o desaparecimento de Rubens Paiva. O atestado de óbito só foi emitido em 1996, e o esclarecimento de sua morte, em 2014, por meio da Comissão Nacional da Verdade. Na época, Eunice já convivia com o Alzheimer havia mais de uma década.

 


Sol e praia

Quando o filme foi rodado, em 2023, Bárbara tinha 20 anos – no filme, Nalu é uma adolescente carioca que adora sol, música, praia e vôlei. “Ela (a Nalu real) é amiga de infância do Walter. Sinto que muito do que eu entendo dela veio da imagem que ele tem dela”, conta.

 


“Foi muito importante tentar criar uma curva para a personagem para o antes e o depois (do desaparecimento de Rubens Paiva), como uma forma de mostrar o que a ditadura fez com aquelas pessoas”, conta a atriz. O clima no set foi tranquilo. “Uma equipe bem reduzida. O Walter é um diretor muito doce e atencioso, que gosta de fazer as coisas com calma. Ele sempre chegava e falava no ouvido (do ator), não tinha essa coisa de gritar no meio do set.”

 


O processo de preparação, Bárbara conta, foi longo. “Tivemos uma imersão no universo carioca dos anos 1970 e ainda lidamos com o tema duro da ditadura. Tive aula de prosódia (para ganhar o sotaque carioca), tomei muito sol. Muito marcante no processo foi a relação que a gente criou no núcleo que fazia a família, pois foi uma produção enorme.”


Fernanda Montenegro faz uma participação no filme, interpretando Eunice na velhice. “Conhecê-la foi um dos momentos mais lindos da minha vida. Foi na leitura que a gente fez da família nos anos 1970 e da família dos anos 2000. Ela é uma presença. Fiquei completamente embasbacada. Foi muito honesta em tudo que fazia.”

 


Bárbara estará na première em Veneza. A viagem será curta, já que a atriz está morando desde 2023 em Paris. Está no segundo ano (de três) da graduação em Teoria Teatral, na Sorbonne. A vontade de morar na França não é de hoje. Assim que terminou o ensino médio, foi para o país europeu, trabalhar numa fazenda de amigos de amigos. Fez de tudo um pouco: cuidou de crianças, deu mamadeira para os cabritos, alimentou as galinhas.

 


Voltou para casa no início da pandemia, sem muita perspectiva. Vieram os trabalhos, todos por meio de testes. “No ano passado, decidi investir nos estudos”, diz ela, que tem trabalhado como baby sitter em Paris para completar o orçamento.

 


Seleção na escola

Sua história com o cinema começou quase que de brincadeira. Tinha 10 anos quando uma equipe do filme “O menino no espelho” (2014) foi até sua escola para selecionar crianças. “Lembro pouco do teste, mas me perguntaram qual superpoder eu gostaria de ter.” Participou do longa de Guilherme Fiúza como Magali, que fazia parte do grupo de amigos de Fernando, o personagem central da narrativa em que Fernando Sabino relembra de sua infância.

 


Aos 14, dividiu com Patrícia Pillar o papel de protagonista de “Unicórnio” (2017), filme de Eduardo Nunes inspirado na obra de Hilda Hilst.

 


Em 2020, a pandemia a trouxe de volta para casa. Foi nesse período que ela estreou um projeto com os pais, o curta “A primeira perda da minha vida” (2021), roteiro de Eduardo Moreira e direção de Inês Peixoto, exibido no YouTube. Na história, que reuniu atores do Galpão, ela é uma menina de 11 anos que perdeu sua boneca e acaba se encontrando com Kafka (Júlio Maciel).

 


Desde então, foram outros filmes, dois deles novamente sob a direção de Eduardo Nunes. Lançado em 2023 no Festival do Rio, “Cinco da tarde” coloca Bárbara novamente como protagonista, como uma jovem de Niterói que perde a avó durante a pandemia e começa uma relação com uma vizinha.

 


Entre maio e julho, a atriz ficou no Brasil durante suas férias na universidade. No período, filmou em Morretes, interior do Paraná, “O tempo da delicadeza”, longa de Nunes protagonizado por Carol Duarte, que acompanha uma década na vida de uma mulher. Há ainda a série “Santo maldito” (2023), disponível no Disney+.

 


Já de volta a Paris, Bárbara aguarda o lançamento de “Ainda estou aqui”. Espera que possa finalmente conhecer Nalu, já que a personagem que interpretou no longa também vive na França.

 


A atriz só retorna a Belo Horizonte nas férias de 2025. E já tem planos. Acredita que, finalmente, vai estrear no teatro. E ao lado do pai, em um projeto com direção de Marcelo Castro. “Sinto que fazer faculdade de teatro fortaleceu a minha relação com meus pais. Minha mãe se formou em cinema; meu pai, em filosofia. Hoje a gente troca figurinhas e também inverte os papéis. Deu para eu ensinar alguma coisa para eles”, comenta.

 

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