É um thriller, perigoso, louco, irreverente, engraçado, como os bons filmes do gênero devem ser. É também erótico, com muito sexo, como preza a tradição pinçada da produção norte-americana oitentista. Mas “Motel Destino”, filme de Karim Aïnouz que chega nesta quinta (22/8) aos cinemas, é sobre algo a mais.

 




“O que me interessava é me apropriar dessa tradição (do thriller erótico) como um pano de frente para falar de um pano de fundo que é a história com H maiúsculo. Esse filme é sobre um encontro improvável, mas necessário, para a sobrevivência dos personagens. Poderia ter sido um encontro de amizade, mas é um encontro sexual. Quando aqueles corpos sozinhos se juntam, se tornam uma espécie de granada”, afirma Aïnouz.

 


Os corpos de que ele fala são os de Heraldo (Iago Xavier), um jovem mal entrado na casa dos 20 anos, e o de Dayana (Nataly Rocha), mulher que já viveu mais do que ele. Ele está em fuga. Ela está presa em um casamento em que falta amor e sobra violência.

 


Estas personagens à deriva se encontram no Motel Destino, localizado na região costeira do Ceará. O proprietário é Elias (Fábio Assunção), também o marido de Dayana. Ela passa seus dias arrumando, apressadamente, alcovas que recebem casais, trisais, surubas.

 


Voyeurismo

Há câmeras por toda parte, exceto nos quartos. Mas isto não impede que Elias observe (o leitor pode bem imaginar para quais intenções), do corredor que faz a ligação entre o empreendimento, o que se passa lá dentro.

 


Heraldo, após uma noite em um dos quartos, se vê envolvido numa trama de vida e morte. Sem dinheiro e com capangas em seu encalço, encontra porto seguro justamente no motel. Começa a fazer pequenos trabalhos, ganhando a simpatia de Elias. A atração por Dayane (e vice-versa) é imediata. Em um ambiente que exala sexo e no qual os gemidos são a única trilha sonora possível, os encontros furtivos vão se multiplicando.

 


“Motel Destino” marca o retorno de Aïnouz ao Ceará natal depois de uma década – seu último longa rodado “em casa” foi “Praia do Futuro” (2014). “Vi ‘O céu de Suely’ (2006) outro dia e também ‘Praia do Futuro’. Falei: ‘Gente, por que não fiz esses filmes com cearenses? Neste, fiquei com vontade de fazer um filme só com atores cearenses, tudo local”, ele diz. Assunção é a única exceção, precisamente porque o personagem é um forasteiro.

 


Teste de elenco

Grande parte da equipe veio do Laboratório de Cinema da Porto Iracema das Artes, concebido por Aïnouz, Marcelo Gomes e Sérgio Machado em Fortaleza, em 2013. O roteirista principal, Wislan Esmeraldo, fez parte da segunda turma da escola. Seiscentos atores foram testados para o elenco.

 


Nataly tem uma trajetória no teatro, atuando também como pesquisadora e preparadora de elenco, já participou de uma dezena de longas e de outros tantos curtas. Iago é estreante em cinema.

 


“Vi nos testes do Iago um potencial grande. Além disso, ele é um corpo que eu sentia falta de ver no cinema brasileiro, uma mistura de africano com povos originários. A Nataly é mais cearense, com a mistura de povo originário com branco. Era importante que tivesse uma diferença entre eles, mas que de alguma maneira eles se encontrassem em algum lugar de afeto. Na verdade, eles são o retrato do Ceará. Não só eles, mas o resto do elenco, que forma uma geografia humana muito específica daquele lugar do Brasil”, afirma o diretor.


A maior parte da filmagem ocorreu em um motel alugado. As cores são muito saturadas, uma referência clara ao ambiente onde a trama se passa. “Motel tem uma coisa curiosa, como se cada quarto fosse uma peça de teatro. Você inventa a ficção que quer: acende uma luz vermelha em um, bota um pisca-pisca em outro. Já o corredor (que reúne boa parte das cenas entre os três protagonistas) é um espaço um pouco mais institucional, uma mistura de hospital com motel e prisão.”

 


Durante a preparação de seu oitavo longa, Aïnouz reviu muito da produção americana de décadas atrás, filmes como “Vestida para matar” (1980), de Brian de Palma, e “Corpos ardentes” (1981), de Lawrence Kasdan.

 


“O thriller erótico vem de um momento histórico de Hollywood que foi uma inspiração para mim. É um cinema de estúdio, que tem uma ambição comercial. Mas é um cinema muito livre narrativamente. Para mim era muito importante, depois do tanto conservadorismo que vivemos, ter um cinema que pudesse falar desabusadamente de sexo. Porque sexo é igual a tomar café da manhã. Todo mundo faz, não tem nada demais. O que é interessante é ver como esses corpos se grudam e se tornam um corpo só, então o sexo no filme foi desenhado para isso.”

 


Ainda que o sexo seja onipresente, Aïnouz pretende que “Motel Destino” atinja o público por outras vias. “A gente usa uma roupagem que tem tensão, perigo, cor, ou seja, uma matéria cinematográfica. Mas o tema é outro. Queria falar sobre um estado de coisas que é violento, porque (Dayana e Heraldo) são ameaçados o tempo inteiro. Quis também não filmar a violência, mas sim as causas e as consequências. Porque a definição da sociedade brasileira é a violência, a violência a que a elite submete as pessoas é gigante. Acho importante falar disso, mas não reproduzir as imagens”, diz.

 

 

“MOTEL DESTINO”
(Brasil/França/Alemanha/Reino Unido, 2024, 115min.) Direção: Karim Aïnouz. Com Iago Xavier, Nataly Rocha e Fábio Assunção. O filme estreia nesta quinta-feira (22/8), no Pátio 1 (16h e 18h) e no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 16h, 18h). Entra em cartaz na sexta (23/8), no Centro Cultural Unimed-BH Minas (Sala 2, 20h40, não haverá sessão na terça, 27/8).

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