Daniel Teixeira Aparecida, o Mc Dodô, passou parte da infância em Santa Luzia -  (crédito: Mc Dodô/Divulgação)

Daniel Teixeira Aparecida, o Mc Dodô, passou parte da infância em Santa Luzia

crédito: Mc Dodô/Divulgação

Na hora do intervalo, um estudante caminha em direção à quadra da escola pública enquanto seu celular toca uma música no máximo volume. Na rua do bairro longe do Centro, o jovem dirige seu primeiro carro com o som ligado. No último banco da lotação, o rapaz volta cansado para casa prestando atenção nas batidas que vêm do seu fone de ouvido. Do lado de fora da penitenciária, o cidadão aguarda a visita ao parente privado de liberdade enquanto cantarola algumas palavras. No baile de sábado, a turma recita a plenos pulmões os versos do ídolo. Em casa, a moça publica uma selfie acompanhada do refrão preferido. Todos têm algo em comum: são fãs de Mc Dodô, um dos ícones do Funk Consciente de Belo Horizonte, na estrada desde 2001, profissionalmente na música desde 2007. 


Nascido na capital mineira em agosto de 1983, Daniel Teixeira Aparecida, o Mc Dodô, tem três irmãs: Natália, Jéssica e Estephani. Eles passaram parte da infância entre o Bairro Palmital e a comunidade conhecida como “setor 6”, localizada na periferia de Santa Luzia, cidade da Grande BH. Com músicas que falam de desigualdade social, das batalhas do dia a dia, dos altos e baixos da vida, mundo do crime, arrependimento e fé, Dodô se tornou um dos principais nomes de um movimento que leva mensagens de otimismo e perseverança a jovens que vivem, principalmente, à margem da sociedade e nos becos e vielas. Seus maiores hits, “Fé na vitória” e “Bomba explode na cabeça”, somam 13 milhões de visualizações no Youtube. Outras canções, como “Tocou na Ferida” e “Falam que é Nós”, também aparecem como as mais reproduzidas pelos fãs no Spotify, onde o artista tem 217 mil ouvintes mensais. 

 

 

O Funk Consciente arrebata jovens em todo o Brasil com letras que falam de esperança em dias melhores apesar da violência e pobreza que assombram milhões de pessoas. A exemplo de Mc Dodô, artistas não necessariamente mineiros, como Mc Romeu, dono do hit “Rainha”, Mc Martinho, de “História Real”, Mc Bó do Catarina, de “Vida loka também ama”, Andrezinho Shock, “Injustiçado”, Mc Bobô, “Alvará”, Mc Barriga, e Danilo e Fabinho, integram esse sub-gênero do funk que, ao lado do Rap, tem um forte apelo por justiça e dignidade. Das novas gerações, entre tantos nomes e características, podem ser citados ainda Mc Daleste, assassinado em cima do palco em 2013, Mc Kevin, que morreu em 2021 ao cair da sacada de um hotel no Rio de Janeiro, e Mc Hariel, que recentemente lançou o projeto “Funk Superação” com direito a feat com Gilberto Gil

 

 

Hoje, aos 41 anos, Mc Dodô lembra exatamente quando começou a se apaixonar pela música. “Eu tinha sete anos e ganhei do meu pai um disco de vinil do Michael Jackson. Comecei a imitar o astro do Pop em casa e depois passei a dançar nas festinhas da escola”. Porém, a dança do “mini Michael”, como ficou conhecido, ganhou passos tristes quando seu pai enfrentou problemas relacionados ao alcoolismo, se tornando um homem violento. Foi quando a mãe de Dodô resolveu se separar do marido. “Saímos do apartamento no Palmital e fomos morar na casa da minha avó paterna, na favela conhecida como setor 6. Lá fiz muitos amigos mas, por conta dos altos índices de criminalidade e violência, o local acabou se tornando um exemplo de referências negativas”, explica o cantor, que também atribui à imaturidade o fato de quase ter se deixado levar ao que chama de “atos falhos”. 

 


Mas se “falhas todos cometemos, tristeza e alegria nós vivemos”, como diz um de seus versos mais conhecidos, o jovem preferiu enfrentar as dificuldades. “Éramos 15 pessoas na casa da minha avó, sendo 10 crianças. Minhas tias mal conseguiam trabalho para nos sustentar, foram muito guerreiras. Muitas vezes tínhamos apenas canjiquinha ou pés de galinha para comer, a fome era uma realidade na região”, afirma. Uma das alternativas encontradas por Dodô foi participar de um projeto chamado Curumim, onde podia comer, beber e praticar esportes. No local, ele teve contato com o Funk, frequentemente a primeira e única ferramenta de transformação social a chegar às comunidades. Passou a ouvir Claudinho e Buchecha, Mc Marcinho, do clássico “Rap do solitário”, Mc Bob Rum, do “Rap do Silva”, e o histórico “Rap da Felicidade”, de Cidinho & Doca.

 

'Éramos 15 pessoas na casa da minha avó, sendo 10 crianças', relembra Mc Dodô

'Éramos 15 pessoas na casa da minha avó, sendo 10 crianças', relembra Mc Dodô

Mc Dodô/Arquivo pessoal


Aquelas melodias falavam de uma realidade que o jovem Daniel Teixeira já sentia na pele. Coincidentemente, nessa época o Funk e o Rap estavam a todo vapor nas ruas e praças do Bairro Palmital e redondezas. “Ouvíamos Racionais Mc’s, o disco Funk Brasil lançado pelo Dj Malboro, além de artistas internacionais como Stevie B-Information Society e Afrika Bambaataa”. Dodô também passou a frequentar os tradicionais bailes da Quadra do Vilarinho, ponto de encontro do público jovem localizado na Região de Venda Nova, em BH, que foi colocado à venda em 2021. Se encantou com as apresentações de “Mc’s que narravam a vida real em cima do palco” e, em 1999, decidiu se tornar um artista. Por causa das precárias condições financeiras e da chegada de uma filha, Mc Dodô só conseguiu gravar sua primeira música em 2001.

 

O pequeno Dodô se apresenta como Michael Jackson

O pequeno Dodô se apresenta como Michael Jackson

Mc Dodô/Arquivo pessoal


A violência, porém, continuava a atormentar sua família, que se mudou para o Alto Vera Cruz, na Região Leste da capital mineira. Foi quando o jovem passou a viver na casa de sua avó materna, Ephigênia Lopes, artista que lançou seu primeiro CD autoral aos 75 anos, integrante do grupo “Meninas de Sinhá", formado por mulheres do bairro. “Nesse período voltei a estudar e arranjei um trabalho. Passei a ler a bíblia e a compor músicas. Lembro que muitos amigos se envolveram com a criminalidade, foram presos, morreram. Consegui juntar um pouco de dinheiro e comecei a gravar canções sobre essas histórias”. Em 2007, enfim, era lançada a música que fez com que Mc Dodô ficasse conhecido nos bailes da cidade, “Bomba explode na cabeça”, gravada com Dj Joseph, homenagem a um amigo falecido. Pouco depois veio aquela que consolidaria Dodô no Funk da capital.

 


“Coração tá machucado, mas não deixei meu sonho de lado”, refrão de “Fé na vitória”, ainda ecoa nos rincões das periferias quase como um pedido de socorro. Ele explica: “essa música fala de um período de dificuldades, mas também conta a história de pessoas que estão sofrendo nos presídios e que buscam em Deus um alívio pelos pecados cometidos”. A partir disso, o Mc diz que sua vida mudou ‘da água para o vinho’, pois passou a ser reconhecido em Minas e em outros estados, ao lado de seu fiel escudeiro Dj Doidão, como cantor de “Funk Consciente”, assim como, além dos já citados acima, Mc Hudson 22, Mc Caçula, Mc Papo, de “Eu pixava sim”, e Mc Pequeno do Saboó, da clássica “Sente o drama”.

 


Mc Dodô afirma que tem fãs de todas as idades, independente da classe social. Mas fica claro que seu público, majoritariamente, está nas periferias e nas comunidades. Em seu perfil no Instagram, o artista divulga informações sobre sua agenda, vídeos de shows, e a reverência de admiradores e artistas de diferentes gerações que acompanham seu trabalho, como Mc Yuri BH, com quem gravou a música “O crime não presta”. Ele também se mostra antenado às novidades do mercado: além de gravar com a "Tom produções" e "Pedrão Vídeos", relançou, em parceria com Dj Gabriel Dutra, “Bomba explode na cabeça” em formato MTG, ritmo que recentemente ganhou notoriedade na capital mineira e no Brasil por apresentar colagens de uma ou mais músicas com novos efeitos sonoros. 

 


“Agradeço a Jeová Deus. Tenho gratidão também a todos os fãs. Por isso procuro tratá-los com muito respeito, carinho, amor e consideração. Eles permitiram que eu trabalhasse e vivesse do que eu sempre gostei, que é cantar, levar alegria para as pessoas através da cultura e do Funk Consciente. Agradeço aos Djs e às rádios. A minha intenção sempre foi mostrar aos jovens das favelas que eles devem valorizar a vida, procurar dar a volta por cima, sempre fazer o bem ao próximo e tratá-lo como gostariam de ser tratados”. Por essas e outras, a história de superação de Mc Dodô é um exemplo para milhares de jovens que buscam uma única oportunidade para transformar o próprio destino. "Fé na sua vitória, Jesus que vai ter dar essa glória".

 

Músicas de cantores citados por Mc Dodô