Juliane Moore, Pedro Almodóvar e Tilda Swinton no tapete vermelho do Festival de Veneza -  (crédito: Alberto Pizzoli/AFP)

Juliane Moore, Pedro Almodóvar e Tilda Swinton no tapete vermelho do Festival de Veneza

crédito: Alberto Pizzoli/AFP

 

 

Folhapress

 

A latinidade pulsante de Pedro Almodóvar sempre se fez notar por diversos elementos cênicos (as cores, sobretudo), mas também performáticos de seus filmes. O fato de atores dizerem falas em um espanhol acalorado, língua que por natureza já tem em si uma sonoridade dramática, contribui massivamente para a qualidade abrasiva, sensual de grande parte de sua obra.

 

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Depois de dois curtas em inglês, uma espécie de ensaio para voos mais altos no idioma de Hollywood, era grande a expectativa diante do novo trabalho do cineasta espanhol, “The room next door”, exibido nesta segunda-feira (2/9) em competição no Festival de Veneza, na Itália.

 

 

 


Embora não tenha cenas de conotação de fato sexuais, percebe-se que o aspecto “quente” do cinema almodovariano se manteve relativamente preservado. Se não chega a de fato ser um filme em chamas, é antes porque o material não pedia isso do que por uma eventual incompatibilidade entre o estilo de Almodóvar e a língua inglesa.

 

As imagens são limpas, talvez higienizadas, mas as cores fortes estão lá. Nas roupas, nos objetos de cena, nas flores.

 

De início, já vemos Julianne Moore na pele de Ingrid, escritora famosa por livros em que expõe seu pavor à ideia de morte, com os lábios imaculadamente delineados em um forte batom vermelho-escuro, que contrasta com a pele alva e os cabelos em um ruivo de tom mais discreto. No lançamento de seu novo romance, descobre que uma conhecida de longa data, Martha, vivida por Tilda Swinton, está morrendo de câncer.

 

 

Juliane Moore sentada em sofá ao lado de Tilda Swinton, contracenando no filme The room next door

Ingrid (Juliane Moore) é convocada pela amiga Martha (Tilda Swinton), que sofre de câncer, a ajudá-la a morrer

El Deseo/reprodução
 

 


Ingrid faz uma visita para a amiga, que pede a ela um favor ao mesmo tempo mórbido e humanitário: que a ajude em sua eutanásia, ficando uns dias com ela em uma casa isolada. Quer companhia até que decida ingerir a pílula que a fará dar fim a sua vida. Após hesitar um bocado, Ingrid aceita ajudá-la.

 

Melodrama chic

 


O filme tem um invólucro de melodrama chic, com personagens cultas e bem-vestidas do meio intelectual de Nova York. Além de ser uma defesa do direito à eutanásia, também é uma denúncia do quanto o mundo de hoje em dia está se tornando inabitável.

 


Por questões ecológicas e morais, o neoliberalismo e a ascensão da extrema direita são os grandes culpados, nos diz Almodóvar, mas a situação vai além. Estamos em um mundo de tal forma paranoico que, em certa cena, o professor de ginástica se abre com Ingrid: “Não posso sequer encostar em minhas alunas, para não sofrer ações judiciais. Nem para corrigir exercícios feitos incorretamente”. Viver em 2024 não é nada fácil, em nenhum aspecto.

 

 

“É uma reflexão melancólica sobre a morte, amizade, maternidade e direito à eutanásia. É também uma tentativa de aceitação do fim da vida”, afirmou Pedro Almodóvar, de 74 anos, a respeito de seu novo filme.

 

“Não consigo compreender que algo que está vivo tem que morrer. A morte está por todo lado, mas é algo que nunca compreendi bem”, afirmou. “É um filme a favor da eutanásia. A doença está lá e o que é admirável na personagem de Tilda é que ela decide que 'o câncer não vai me alcançar se eu chegar primeiro'”, citou ele, também autor do roteiro.

 

Rita Lee pensou em eutanásia após receber o diagnóstico de câncer

 

Palmas pouco efusivas

 


Sim, o longa traz aquele pessimismo que já vem fazendo parte do Almodóvar das últimas duas décadas. Mas a atmosfera não é depressiva e melancólica como a de um “Dor e glória” (2019), por exemplo. Ao contrário: é um filme vivo, thriller com toques hitchcockianos, até mais engraçado que suas obras mais recentes.

 


O longa recebeu aplausos da imprensa, mas a falta de efusividade das palmas dá a medida do quanto, a despeito dos inegáveis acertos, como as atuações e o contraponto da visão de cada amiga sobre morte, deixou a plateia meio decepcionada, sobretudo com o final abrupto e a falta de um clímax satisfatório. Ainda assim, Almodóvar é sempre Almodóvar, e é bom perceber que ele não precisa necessariamente estar na Espanha para realizar a sua arte.



“The brutalist”



Também na briga pelo Leão de Ouro, “The brutalist”, do americano Brady Corbet, de “Vox lux” (2018), mostrou-se o projeto mais ambicioso de todo o festival. Ou seria meramente pretensioso?

 


O filme se estica por mais de três horas e meia para narrar em ares épicos a história de um (fictício) arquiteto húngaro, László Tóth, sobrevivente de um campo de concentração na Segunda Guerra, que imigrou para os Estados Unidos. Após passar um tempo trabalhando como pedreiro, cai nas graças de um milionário pouco culto, mas com paixão pela arte, que se torna seu patrão e mecenas de seus projetos revolucionários.

 


O longa foi filmado em VistaVision, técnica dos anos 1950 que de fato confere à obra formato e textura muito especiais. Mas as imagens têm quase sempre apenas um elemento no foco certo, e tudo o mais na cena surge enevoado, turvo, sem explicação estética para isso.

 


Segundo o diretor, Tóth é a mistura de várias pessoas que, vindas de fora, ajudaram a construir os Estados Unidos. Apesar da atuação esforçada de Adrien Brody no papel principal, jamais justifica o gigantismo do projeto. (Com AFP)