Um grupo de mulheres se mistura a garotos da mesma idade na escadaria movimentada. Parecem ser universitários em típica foto de formatura. As jovens vestem blusas coloridas e usam cabelos soltos. Uma delas encara a câmera com seriedade.
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Seria uma cena do cotidiano de qualquer universidade. No entanto, a estranheza incide no fato de a cena se passar no Irã, um dos países que mais reprimem mulheres com códigos de vestuário, “leis de família e casamento” e supressão dos direitos reprodutivos. O fanatismo religioso restringiu o acesso delas à universidade.
Filmadas antes da Revolução Islâmica de 1979, que instalou a teocracia no país do Oriente Médio, as imagens fazem parte de “Fragments of a revolution” (2020), dirigido por Sahand Sarhaddi. O curta é um dos destaques do 9º Festival de Arte Eletrônica de Belo Horizonte (Timeline BH), em cartaz desta quinta (5/9) a 22 de setembro no Cine Santa Tereza, Sesc Palladium e Universidade Federal de Minas Gerais (campus Pampulha).
Com entrada franca, serão exibidos 58 curtas experimentais do Brasil e do exterior, selecionados pelos curadores Sávio Leite, Joacélio Batista, Ana Moravi e Sara Não Tem Nome. Os quatro assistiram a 630 produções para montar a programação.
O experimentalismo abstrato com narrativas oníricas, característica do Timeline, continua presente. “The ant colony”, filme da neozelandesa Natasha Cantwell, acompanha o jogo de ábaco em que insetos assumem o controle, transformando a partida em uma espécie de ponte entre o mundo natural e o mundo industrializado.
Réquiem
Em linhas gerais, a política dá o tom da programação. “Fragments of a revolution” é uma crítica visceral do cineasta Sahand Sarhaddi à ditadura iraniana, que ele classifica como “réquiem para uma revolução”, cujos efeitos foram a censura e a perseguição política.
“O filme trata de questões que muitos de nós já conhecemos, mas o diretor tem uma maneira diferente e muito interessante de filmar”, destaca Sávio Leite.
“Ele fez um curta experimental passeando por fotos de jornais iranianos que cobriram a revolução, quando universidades foram fechadas, estudantes e professores não islâmicos das instituições que continuaram abertas foram expulsos, centenas de pessoas foram feridas, mortas ou exiladas”, explica o curador.
Em 2023, Timeline dedicou especial atenção à vocação de BH para a videoarte
Na mesma toada estão “To Mahsa”, da italiana Daniela Lucato, homenagem à jovem Mahsa (Zhina) Amini, presa e morta em 2022 pelo governo do Irã por não usar hijab (véu islâmico) enquanto andava na rua, e “Suitecase”, do coletivo bielorruso Art Project Revolution, sobre a guerra na Ucrânia, os direitos dos refugiados e os direitos humanos em geral.
Sexualidade
Políticas afirmativas de gênero, sexualidade e identidade ganharam atenção especial com a criação da sessão “Timeline 2 – Anticorpos”. Nela, o destaque é “El tercer mundo después del sol”, dos colombianos Analu Laferal e Tiagx Vélez.
Exibido no Festival de Rotterdam no início do ano, o filme é, segundo os realizadores, “um jogo de olhares íntimos entre cinema experimental, performance e pós-pornografia”, além de “convite sedutor à contemplação da escuridão e uma meditação cheia de suspense”.
“Timeline 2 – Anticorpos” terá ainda a estreia dos curtas “Desejo radical tropical”, das mineiras Carolina Santana e Dayane Tropicaos, e “Meu animal preferido já foi um cavalo”, de Efe Godoy. Ambos pretendem fugir da visão normativa dos corpos no intuito de discutir as questões de gênero.
Minas em cena
Estarão em cartaz filmes realizados por mineiros a partir dos anos 2000, artistas da quarta geração da videoarte no Brasil. Esta produção é influenciada pela proliferação das tecnologias digitais e pela internet, com o uso de plataformas de streaming, redes sociais e dispositivos móveis, o que possibilitou novas formas de criação, distribuição e interação.
“Europa – Me avise quando chegar”, de Victor Vieira, é exemplo disso. O curta acompanha o cotidiano da Zona Norte de BH paralelamente à realidade do cineasta, seguindo narrativa intimista de autoficção.
“A gente conseguiu fazer sessões muito especiais com filmes muito especiais”, afirma Sávio Leite. “Foram inscritas muitas produções. E, principalmente, muitas produções de qualidade. Foi difícil, mas conseguimos fazer um recorte da produção de qualidade desenvolvida no Brasil e no mundo”, conclui o curador.
9º TIMELINE BH
Desta quinta-feira (5/9) a 22/9, no Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89, Santa Tereza), Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro) e Universidade Federal de Minas Gerais (Av. Antônio Carlos, 6.627, Pampulha). Exibições na UFMG hoje (5/9) e nos dias 9, 10 e 11/9, a partir das 14h; no Sesc, em 6, 7 e 8/9, a partir de 14h; no Cine Santa Tereza, em 11 e 12/9, a partir das 17h. Entrada franca. Programação completa disponível no site timelinebh.com.