Era abril de 2018, quando protesto questionava um espetáculo teatral em cartaz no CCBB BH, alguns manifestantes reclamavam de uma suposta falta de espaço para pessoas transexuais na peça “Gisberta”, protagonizada pelo ator Luis Lobianco. O incômodo maior era o fato de o artista não ser uma pessoa trans.
Seis anos se passaram e o cenário mudou – um pouco. “Somos poucas atrizes travestis no Brasil”, diz Fabia Mirassos, atriz trans que agora ocupa o mesmo espaço cultural com a peça “Vienen por mí”, que ficará em cartaz até 23 de setembro.
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É o primeiro monólogo de artista transexual a ocupar o teatro da Praça da Liberdade. A peça nasceu graças a um edital público de São Paulo destinado a projetos LGBT+. Vale lembrar que Minas Gerais não possui mecanismo público destinado ao segmento.
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No palco, a personagem está vestida com uma camisa branca longa. Enquanto descasca beterrabas, questiona preconceitos e estereótipos. Segue contando momentos de sua vida entremeados por conversas com amigas. Cozinha enquanto digere a crueza da existência. É atropelada pelo noticiário, que narra homicídios brutais de transexuais.
É tudo verdade
São todos casos reais, como a morte da ativista Diana Sacayán, mulher trans assassinada na Argentina em 2015, após ter sido covardemente espancada. Foi a primeira vez que a Justiça daquele país qualificou o assassinato de uma travesti como crime de ódio devido à identidade de gênero.
“Mas sobre o que as travestis querem falar?”, provoca o espetáculo. Elas adorariam – e tentam – falar sobre platitudes (os variados tipos de arroz, rolinho primavera, uma receita de banoffee), mas acabam sendo empurradas para temas mais urgentes e contundentes. Pesados?
A violência citada na peça é o retrato fiel da vivência delas, obstáculos que insistem em permanecer, especialmente no Brasil, país com o maior número de mortes violentas de pessoas LGBT+.
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Em 2023, foram 257 mortes, e Minas foi o segundo estado com mais vítimas – 30 assassinatos ao todo, segundo levantamento do Grupo Gay da Bahia (GGB). Também ocupamos o vergonhoso primeiro lugar entre as nações onde mais se mata pessoas transexuais.
É por isso que a encenação, com texto da travesti chilena Claudia Rodriguez e direção de Janaína Leite, se apresenta como uma espécie de manifesto, tensionando a cultura que ainda acha confortável deixar transexuais e travestis no lugar da espetacularização e do fetiche.
É a partir desse corpo que a narrativa se esforça para demonstrar ao público aquela presença considerada estranha. “O espetáculo gera um desconforto”, revela a atriz Fabia Mirassos, acostumada à sociedade ainda recheada de preconceitos.
Protagonismo
O espetáculo cumpre o relevante papel de colocar a existência das pessoas transexuais no centro do palco, enquanto protagonista, com um relato sincero e honesto sobre a falta de empatia dos tempos atuais.
“A partir do momento em que você se entende como não pessoa, você sabe que não vai ter família, afeto lhe é negado, então você não espera isso de ninguém”, diz Fabia.
Ela explica o que chama de “as contradições de um corpo travesti”: “É muito ódio que a gente tem dentro da gente, mas é tentar trabalhar o sentimento chamado amor, que nos foi negado”, desabafa.
A intenção, continua Fabia, é denunciar não somente a homotransfobia, mas também a misoginia. “Somos uma sociedade que odeia qualquer tipo de manifestação feminina”, defende a artista.
Que as pessoas olhem as travestis nos olhos, em vez de abaixar o olhar, é o que deseja Fabia Mirassos. Todos desejamos.
“VIENEN POR MÍ”
Monólogo com Fabia Mirassos. Texto da travesti chilena Claudia Rodriguez, direção de Janaína Leite. Em cartaz até 23 de setembro, de sexta a segunda, às 21h, no Teatro 2 do CCBB BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), disponíveis no site ccbb.com.br/bh e na bilheteria local. Sessão em libras todos os dias. Programa disponível em braille.