A vida do coronel Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen) se transforma quando ele implanta assentamento em terras da Jutlândia cobiçadas por um nobre -  (crédito: Zentropa/reprodução)

A vida do coronel Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen) se transforma quando ele implanta assentamento em terras da Jutlândia cobiçadas por um nobre

crédito: Zentropa/reprodução

 

 

Quando o capitão reformado do Exército dinamarquês Ludvig Kahlen, interpretado por Mads Mikkelsen, comparece à audiência na corte pedindo permissão para estabelecer assentamento agrícola em uma região árida, ficamos sabendo de sua ambição. Nem tanto pela ousadia em apostar na ideia que parece insólita, e sim pelo modo como lida com a reação dos ministros do imperador.

 

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Impassível e pacientemente, Kahlen ouve piadas e grosserias daqueles funcionários. Quando recebe a negativa – “a coroa não pode gastar tanto dinheiro em terras improdutivas”, diz um ministro –, o capitão promete arcar com o custo do assentamento.

 


– E o que você vai querer em troca? – pergunta um dos ministros.

 


– Título de nobreza e todos os benefícios que vêm com ele – responde Kahlen, com a mesma serenidade, desfazendo sorrisos e criando tensão naquele ambiente.

 

 


Em “O bastardo”, do dinamarquês Nikolaj Arcel, acompanhamos a busca por ascensão social, que se intensifica violentamente e ganha contornos trágicos. O filme estreia nesta quinta-feira (12/9) no Centro Cultural Unimed-BH Minas e no UNA Cine Belas Artes.

 

 

 

 

Baseado no romance “Kaptajnen og Ann Barbara”, de Isa Jessen, não publicado no Brasil (“O capitão e Ana Bárbara”, em tradução livre), o impecável faroeste nórdico, ambientado em 1755, faz críticas à aristocracia e explora, com maestria, o desenvolvimento das relações pessoais das personagens. Tudo isso evitando clichês.

 

O capitão Kahlen recebe aval da coroa para estabelecer o assentamento agrícola em Jutlândia. Com ajuda do casal de foragidos Johannes (Morten Hee Andersen) e Ann Barbara (Amanda Collin), dá início ao empreendimento.

 

Broca manual

 

Sob sol e chuva, o protagonista roda pelo imenso terreno com uma broca manual no intuito de examinar o solo. Analisando a terra a cada giro, o determinado Kahlen finalmente encontra o que realmente precisa e dá início à plantação de batatas.

 


A coroa não acompanha de perto os passos de Kahlen. Para satisfazer caprichos pessoais, o imperador faz vista grossa ao que se passa em Jutlândia, desde que a região se torne habitável.

 


Quem se contrapõe a Kahlen é Frederik de Schinkel (Simon Bennebjerg), importante proprietário de terras e juiz local. Arrogante, acha que pertence a ele a terra inóspita explorada pelo capitão.

 


Schinkel faz de tudo para impedir a realização dos planos de Kahlen. O juiz é cruel, vil e megalomaníaco, características que contribuem para a violência do filme. Contrariado, desconta sua fúria em pessoas inocentes e solta risadinhas sádicas.

 


Kahlen, por sua vez, permanece obstinado em conseguir o título de nobreza e tem relativo progresso com o cultivo de batatas. O comportamento rígido – muitas vezes machista – do capitão vai mudando gradativamente à medida que se vê obrigado a dividir a casa com Ann Barbara e, posteriormente, com a ciganinha Anmai Mus (Melina Hagberg). A menina aparece sozinha por lá e não quer ir embora.

 

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Os três formam uma família improvável. A partir de tal situação, Kahlen passa a ver a vida sob outra perspectiva. O título de nobreza já não importa mais. Afinal, o principal representante desta classe é um canalha sádico que aprecia a tortura.

 


Para Kahlen, o que interessa, agora, é a leveza, o bom-humor e as travessuras da pequena Anmai Mus. O racismo que a garota cigana e Ann Barbara sofrem lhe trazem mais indignação do que insucessos no cultivo de batatas.

 


O diretor Nikolaj Arcel assina o roteiro em parceria com Anders Thomas Jensen. Diálogos bem construídos ganham impulso com o jogo de câmeras de Arcel e a fotografia de Rasmus Videbaek. Imagens aéreas mostram a vastidão do terreno do capitão, em contraposição à solidão pela qual ele vai ter de passar.

 


Cenas demoradas ocorrem sob névoas espessas, noites densas e sol ofuscante. O trabalho de Videbaek com a cor é digno de nota. Grande parte do filme traz fotografia de tons frios, que vão sendo substituídos outros mais quentes à medida que a família improvável do protagonista se forma.

 

"O amante da rainha"

 

“O bastardo” marca a segunda parceria do ator Mads Mikkelsen com o diretor Nikolaj Arcel (os dois trabalharam em “O amante da rainha”).

 


O filme traz muito mais do que problemas estruturais da falida sociedade dinamarquesa do século 18.

 


Em camadas mais profundas, ele se revela um espelho que projeta o passado em nossa frente, mostrando que temos as mesmas ambições e despudores de 300 anos atrás.

 


“O BASTARDO”


(Dinamarca, 2023, 127min, de Nikolaj Arcel, com Mads Mikkelsen, Amanda Collin, Simon Bennebjerg e Melina Hagberg) – Estreia nesta quinta-feira (12/9) no Centro Cultural Unimed-BH Minas, às 18h10; e no UNA Cine Belas Artes, às 14h20 e 20h20.