Em 2009, Ziraldo (1932-2024) lançou, na TV Brasil e na Rede Pública de Televisão, o programa “ABZ do Ziraldo”. Semanalmente, ao longo de cinco temporadas, o cartunista, chargista, escritor, ilustrador (e um monte de coisas mais) conversava com ilustradores e autores de livros infantis. Numa dessas, recebeu o designer e escritor Guto Lins.
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Próximos há muitos anos, desde que Guto se casou com Adriana Lins, sobrinha de Ziraldo, os dois terminaram as gravações com uma proposta. Que partiu de Ziraldo, diga-se. “A gente podia fazer um livro juntos. Começar pelos desenhos e ir depois para o texto”, disse ele, há mais de uma década.
A proposta de tanto tempo atrás se concretizou agora, cinco meses após a morte do cartunista. “Entre cobras e lagartos” (Reco-Reco) é seu primeiro livro póstumo. Infelizmente, “tudo foi feito depois que ele se foi”, comenta Lins.
A “produção a jato” ganha lançamento nesta sexta (13/9), na Bienal Internacional do Livro de São Paulo, evento com uma série de homenagens a Ziraldo. O lançamento, inclusive, será no Auditório Ziraldo.
Quebra-cabeças
“Entre cobras e lagartos” tem uma cobra em crise existencial como protagonista. Mas sua “família”, por assim dizer, também está representada, com minhocas, dragões, borboletas. Lins trabalhou como num quebra-cabeças para conceber o livro.
"Ler é mais importante que estudar", dizia Ziraldo
Depois da morte de Ziraldo, ele começou a mexer no amplo acervo deixado pelo artista. Todo o material está sob a responsabilidade do Instituto Ziraldo (IZ), dirigido por Adriana Lins e Daniela Thomas, primogênita do cartunista, e patrocinado pela PRIO.
O “click” se deu quando Lins achou ilustrações de Ziraldo para um livro de Ana Maria Machado. Quando a obra mudou de editora, foi convidado outro ilustrador. Dessa maneira, as imagens (e os direitos) voltaram para o autor. Havia muitas cobras naquele material.
“Tinha cobras maravilhosas, de três cabeças. Eram coisas ligadas a monstros. A partir daí, vi que ele tinha muitas ilustrações de cobras”, conta. Lins foi trabalhando no acervo, pinçado de diversas fontes e épocas. A imagem da capa, por exemplo, foi criada para uma edição da revista “Playboy” – o Adão e a Eva que compunham a imagem original com a serpente e a maçã foram retirados.
Do "Pasquim" ao McLanche
Nas 24 ilustrações do livro, há tanto desenhos feitos para o “Pasquim” quanto para campanha do McLanche Feliz – no final do volume, informa-se a origem de cada imagem. “Tem um pouco de tudo. Virou miscelânea, um grande painel da obra dele”, acrescenta Lins. A pesquisa foi tão grande que, finalizado o livro, ele recebeu mais duas dezenas de imagens que não entraram na publicação.
Lins só começou a escrever a história depois de ter um bom número de desenhos em mãos. “Quando o pessoal do IZ encontrava outros, eu incluía no texto.” A protagonista não tem nome. Ninguém, na verdade, quer saber dela. “Como é um personagem que aparece em várias culturas diferentes, utilizei muito da mítica para a história”, explica.
Também brincou muito com a letra “S” – tanto por causa do som que a cobra faz, aquele sibilar cheio de esses (sssssss), como pelo formato do réptil. Como estava trabalhando com material de épocas e traços distintos, ele temia produzir uma colcha de retalhos. “A dúvida que eu tinha, o projeto gráfico resolveu. O texto dá unidade ao material”, comenta.
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No Auditório Ziraldo, espaço da Bienal do Livro de São Paulo que homenageia o cartunista, haverá dois encontros do público com os responsáveis pelo livro “Entre cobras e lagartos”. Às 10h desta sexta (13/9), Guto Lins, Adriana Lins e Daniela Thomas participam de mesa-redonda. Ao meio-dia, começa a sessão de autógrafos.
Texto inédito
Lins espera que “Entre cobras e lagartos” seja o primeiro de uma série de títulos em torno da obra de Ziraldo. “Potencial há, pois há várias ilustrações que podem ser concentradas por temas. Também estamos procurando algum texto inédito para, quem sabe, passar para outra pessoa ilustrar”, acrescenta.
Criado em 2019, o IZ nasceu no antigo estúdio do cartunista. Ziraldo sempre trabalhou em casa. Muitos anos atrás, vivendo em um apartamento na Lagoa Rodrigo de Freitas, no Rio de Janeiro, ele comprou o andar superior e construiu a escada ligando os dois imóveis. Podia, assim, passar madrugadas no escritório/estúdio.
Mais tarde, Ziraldo se mudou para um imóvel próximo, mas manteve os dois apartamentos contíguos. O estúdio continua no mesmo lugar. Em cinco anos, já foram inventariados cerca de 18 mil itens, entre desenhos, textos, cartazes, cartuns, charges, livros, pinturas e esboços.
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Uma das realizações do IZ é a mostra “Mundo Zira”, que terminou sua temporada em Belo Horizonte na última segunda-feira (9/9), atraindo 137,3 mil pessoas ao Centro Cultural Banco do Brasil.
“ENTRE COBRAS E LAGARTOS”
• De Ziraldo e Guto Lins
• Reco-Reco
• 48 páginas
• R$ 59,90