Mário de Andrade ao lado de sua biblioteca doméstica, em São Paulo -  (crédito: Reprodução)

Mário de Andrade ao lado de sua biblioteca doméstica, em São Paulo

crédito: Reprodução

 

 

Vinte anos após a morte de Fernando Sabino (1923-2004), uma relíquia, guardada numa pasta comum, vem a público depois de ser descoberta ao acaso. Pedro Sabino, terceiro dos sete filhos do escritor, encontrou no acervo do pai em sua casa, em Juiz de Fora, as cartas que ele havia recebido, entre 1942 e 1945, de Mário de Andrade (1893-1945).

 

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Das 26 missivas, 11 estão expostas na mostra "Encontro marcado com Fernando Sabino", em cartaz na Procuradoria-Geral de Justiça do Estado de Minas Gerais. É a primeira exibição pública das originais – uma só delas datilografada, as demais à mão.

 

A iniciativa, que tem o apoio do Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), integra a programação alusiva ao centenário do escritor belo-horizontino, morto em 11 de outubro de 2004, um dia antes de atingir os 81 anos.

 

 

 

Mário de Andrade é o autor da correspondência mais relevante da intelectualidade moderna no Brasil. Escreveu muito, e boa parte de seus interlocutores era de mineiros: Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Henriqueta Lisboa, Rodrigo Mello Franco. E Sabino.

 

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O conjunto veio a público em 2003, quando o próprio Sabino organizou o livro “Cartas a um jovem escritor e suas respostas”. Anteriormente, havia sido lançado “Cartas a um jovem escritor: de Mário de Andrade a Fernando Sabino” (1981).


Esquecimento

 


Não se sabe ao certo, mas a hipótese mais plausível é de que a correspondência, após a edição do livro, tenha sido guardada pelo próprio escritor. Após sua morte, ficou esquecida no acervo. Bernardo Sabino, o sexto filho e presidente do Instituto Fernando Sabino, foi informado por Pedro há três meses do achado.

 

Escritor Fernando Sabino segura o joelho, sentado no sofá

Fernando Sabino começou a trocar cartas com Mário de Andrade aos 19 anos

Arquivo EM/1963

 


Trinta anos era a diferença de idade entre Andrade e Sabino. O primeiro foi mentor do segundo, e a relação teve sobressaltos. Mário foi o crítico mais contundente de Fernando, mas também um guia, o que fica expresso nas cartas.

 

Sabino tinha 19 anos quando recebeu a primeira carta do papa do Modernismo. Era um retorno importantíssimo para seu primeiro livro, “Os grilos não cantam mais” (1941). Ele havia publicado os contos aos 18 anos.

 

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Na carta, de 10 de janeiro de 1942, Andrade, de cara, manda o jovem “encurtar o nome”. “Tavares Sabino, Fernando Tavares, Fernando Sabino. O que é impossível é Fernando Tavares Sabino. Me desculpe esta sinceridade e entremos pelas outras”, escreve Andrade.

 


Em dado momento, pergunta a idade do escritor. “Si você está rodeando os vinte anos, de vinte a vinte e cinco como imagino, lhe garanto que o seu caso é bem interessante, que você promete muito. E o livro, neste caso é bom. Mas si você já tem trinta ou trinta e cinco anos, já estudou muito (você parece de fato se preocupar com a expressão lingüística) e está homem-feito, não lhe posso dar aplauso que valha. Neste caso o livro fica medíocre, sem o menor interesse. É apenas um dos muitos.”

 

Estado "delicado"

 


Esta primeira carta está entre as 11 da exposição com curadoria da museóloga Polianna Dias e da bibliotecária Adrieli Jacinto. “Elas estão em bom estado, mas seu estado de conservação é delicado. Nossa função foi higienizar e colocar em suporte adequado”, explica Polianna.

 


“O material tem várias leituras a partir dos temas que eles discutiram. Escolhemos mostrar a relação que os dois criaram, pois é algo que faz sentido para o grande público. Como o Fernando era novo, mas talento emergente, Mário viu e incentivou isso. Grande fã do Mário, ele sofreu muita angústia com a publicação de ‘A marca’ (primeira novela de Sabino, de 1944)”, completa Polianna.

 


Como as cartas são somente as respostas de Andrade, as curadoras selecionaram trechos daquelas escritas por Sabino que, reproduzidas, contextualizam o material exposto.

 

Fernando Sabino lançou livro sobre cartas trocadas entre ele, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Hélio Pellegrino

 


São célebres algumas afirmações de Andrade sobre Sabino. Em 1944, ele escreveu a Paulo Mendes Campos: “Tenho uma enorme esperança em você, muita no Hélio (Pellegrino), alguma no Otto (Lara Resende) e nenhuma no Fernando.”

 


Naquela época, os dois se mantiveram apartados – isso havia começado quando Andrade alegou problemas para vir a Belo Horizonte para o casamento de Fernando, do qual seria padrinho.

 

Os escritores Alphonsus de Guimaraens Filho e Hélio Pellegrino com Mário de Andrade e o contista Murilo Rubião no Parque Municipal de Belo Horizonte, em 1944

Discípulos com o mestre: os escritores Alphonsus de Guimaraens Filho e Hélio Pellegrino com Mário de Andrade e o contista Murilo Rubião no Parque Municipal de Belo Horizonte, em 1944

Acervo Murilo Rubiao

 

Na última carta enviada a Sabino, de 4 de janeiro de 1945, Mário tenta desfazer o mal-estar. “Mas não se perderá o que há de mais elevado na relação entre os homens, a estima. Não me obrigue mais a lhe dizer tudo isto, é tão difícil de dizer. Mas quis cumprir na íntegra o meu dever da imensa amizade que eu tenho por você.”

 

Cinquenta dias depois, ele morreu, aos 51 anos, em sua casa em São Paulo, de ataque cardíaco. No futuro, será necessária a restauração das cartas. Bernardo Sabino pretende doar o conjunto para a Casa Mário de Andrade, na capital paulista.



“ENCONTRO MARCADO COM FERNANDO SABINO”


Exposição de cartas de Mário de Andrade para Fernando Sabino . De segunda a sexta, das 9h às 18h, no pilotis da Procuradoria-Geral de Justiça (Avenida Álvares Cabral, 1.690, Santo Agostinho). Entrada franca. Até 31/10.