Renato Novaes e Grace Passô interpretam os protagonistas de

Renato Novaes e Grace Passô interpretam os protagonistas de "O dia que te conheci"; diretor diz que a abordagem da questão racial "não precisa ser necessariamente direta"

crédito: Malute/Divulgação


Há muitas maneiras de se contar uma história. Desde sua estreia, com o curta “Fantasmas” (2010), o realizador André Novais Oliveira, de 40 anos, vem apresentando histórias que partem do seu cotidiano e dialogam com o público, sem obviedades. Com chegada nesta quinta (26/9) aos cinemas, “O dia que te conheci”, terceiro longa de Novais, é, em essência, uma comédia romântica.

 


Mas que foge das soluções fáceis do gênero e que traz observações – seja no cenário, nos comentários ou até nos silêncios dos personagens – sobre o que é ser jovem, trabalhador e negro no Brasil. Nova produção da Filmes de Plástico, mais uma vez apresenta a Grande Belo Horizonte como cenário – tanto a Região Central da capital quanto seus arredores.

 


Dupla de atores constante na filmografia de Novais, Renato Novaes (irmão do diretor) e Grace Passô formam o casal central. Zeca vive em BH, mas trabalha como bibliotecário em uma escola em Betim. Todo dia, tem que ficar horas no ônibus para chegar ao emprego. Só que ele não tem conseguido madrugar para dar início à jornada diária.

 


Carona para o trabalho

Um dia, depois de mais um atraso, acaba pegando uma carona com Luísa, também funcionária da escola. As horas no trânsito engarrafado alimentam a conversa da dupla, que segue para um chope no Baixo Centro. E de lá a história continua.

 


O mote do roteiro, conta Novais, surgiu de uma conversa com um amigo com dificuldade para acordar. A partir disso, o diretor percebeu o crescimento do número de pessoas que começaram a tomar remédio “ou tratar da saúde mental depois da pandemia”.

 


Tudo o que se passa no filme de pouco mais de uma hora de duração é resultado de observação, gosto pessoal e conversa. Em dado momento, por exemplo, os dois personagens comentam que estão entre os poucos negros da escola.

 


“Essa fala já diz muito sobre eles, sobre o momento que estão passando. Acho que a vontade de abordar alguns temas vem até antes de escrever o roteiro. E acho também que não se precisa ser necessariamente direto para falar de algumas coisas”, afirma Novais. É desta maneira que a conversa entre Luísa e Zeca segue – sem apontar o dedo ou criar teorias, como na vida de qualquer um.

 


“Chama muita atenção nessa história o fato de que eles se paqueram pela doença. Então, acho que tem algumas coisas no jeito de contar que vão na contramão de uma expectativa mais inocente, romântica”, comenta Grace, que acredita que o casal do longa é formado por “personagens afetados pelo seu tempo”.

 

Pai do diretor


Assim como em toda a produção da Filmes de Plástico, “O dia que te conheci” leva para a tela pessoas próximas ao grupo de realizadores. Norberto Novais Oliveira, pai de André e Renato, aparece como um motorista de um ônibus que quebra, atrasando ainda mais o já atrasadíssimo bibliotecário.

 


A sequência apresenta um “novo ator”, o rapper FBC, no filme como um jovem que sai com Zeca para comprar um pastel enquanto a nova condução não chega. Ele também está na trilha sonora, que ainda traz Djonga e Matéria Prima.

 

Ainda que o rap mineiro seja facilmente reconhecível, o que mais chama a atenção na trilha são três momentos de música orquestral, em especial uma sequência noturna, quando Zeca e Luísa descem a Rua da Bahia, na região do Maletta. Ali o que se ouve é música do compositor norte-americano William Grant Still (1895-1973).

 


“Isto já vem de outros filmes que dirigi, como ‘Ela volta na quinta’ (2014, seu primeiro longa), em que também usei músicas dele”, conta Novais. A referência maior é “O matador de ovelhas” (1978), de Charles Burnett, que acompanha uma família negra de Los Angeles em meio a uma crise econômica. Neste filme, em meio a canções de soul e jazz, está “Afro american symphony”, de Grant Still.

 

Tratamento épico


“Minha intenção é causar estranheza, colocar algo que remeta a uma trilha um pouco épica dentro do cotidiano”, diz Novais. Grace vai além em sua observação: “Fico me perguntando se o uso da música é exatamente estranho ou se há uma intenção de colocar o cotidiano brasileiro e, portanto, um cotidiano da negritude, em um lugar onde não estamos acostumados a ver, como é a narrativa épica que é ligada a esse tipo de música. São pessoas negras que são colocadas em um lugar épico”.


“O DIA QUE TE CONHECI”
(Brasil, 2023, 71min.) Direção: André Novais Oliveira. Com Renato Novaes e Grace Passô. Estreia nesta quinta (26/9), nos cines Boulevard 1, às 16h40 (exceto sáb e dom), 15h25 (sáb) e 18h45 (dom); Centro Cultural Unimed-BH Minas, às 17h40 (qui), 17h (sex), 10h40 e 14h30 (sáb), 10h40, 16h10, 21h (dom), 18h40, 20h10 (seg e ter), 18h40 (qua); Cidade 3, às 18h30 (exceto sáb e dom), 16h50 (sáb) e 18h40 (dom); Contagem 8, às 16h40, 18h20, 20h; Itaupower 1, às 20h55; UNA Cine Belas Artes, às 15h50 e 17h10 (exceto qua) na Sala 2 e às 19h20 e 20h40 na Sala 3.

 

SUCESSOR DE “MARTE UM”

A Filmes de Plástico está começando a segunda semana (de oito) de filmagem de “Vicentina pede desculpas”, novo longa da produtora e o primeiro dirigido por Gabriel Martins desde “Marte Um” (2022). O filme resulta de uma parceria com a Netflix, que está bancando a produção.

 

A história, protagonizada por Rejane Faria, acompanha uma mulher de 75 anos em um luto profundo. Seu filho, motorista de ônibus, morreu após o veículo cair de um viaduto – há quem especule que ele tenha se suicidado. Vicentina decide procurar as famílias das outras vítimas para pedir desculpas. Grace Passô e Renato Novaes também estão no elenco. O acordo com a Netflix prevê o lançamento nos cinemas antes da chegada à plataforma.