Nascida em Araxá, a autora de

Nascida em Araxá, a autora de "Batendo pasto" se afastou do mercado literário e presenteava amigos com edições artesanais de suas obras

crédito: Pury/Divulgação


Maria Lúcia Alvim “nasceu” duas vezes para o mundo da poesia. A primeira, na juventude, em 1959, quando lançou “XX sonetos”, livro que no ano anterior havia vencido o V Concurso Feminino de Poesia, de “A Gazeta”, em São Paulo. O segundo “nascimento” foi na velhice, em 2020, quando do lançamento de “Batendo pasto”, obra engavetada por 38 anos que só deveria ser publicada após a morte da autora.

 


Há décadas fora do circuito literário, ela, no entanto, chegou a ter este título em mãos. “Fiquei muito perplexa quando me descobriram. As pessoas achavam que eu já estava morta”, disse Maria Lúcia ao Estado de Minas, em agosto de 2020. Na época, a poeta, nascida em 1932, em Araxá, vivia em uma casa de repouso em Juiz de Fora. Morreu em fevereiro de 2021, aos 88 anos, vítima da COVID-19. No final daquele ano, “Batendo pasto” venceu o Jabuti de poesia.

 


Sua trajetória poética está presente em “Poesia reunida”, volume de quase 600 páginas que vem agora a público com a mesma equipe responsável pela edição de “Batendo pasto”: a editora belo-horizontina Relicário e os poetas Ricardo Domeneck, paulista, e Guilherme Gontijo Flores, brasiliense.

 


Processo de pesquisa

Para compreender o processo de pesquisa que resultou no volume, é preciso saber que Maria Lúcia lançou cinco livros até 1980. A compilação “Vivenda” (1959-1989) reuniu estas obras. Depois, ela sumiu do mapa. Mesmo longe do universo literário, continuou produzindo. Presenteava os mais próximos com edições artesanais.

 


“Poesia reunida” abarca os cinco livros que ela publicou, mais “Batendo pasto” e dois inéditos: “Rabo de olho” (1992) e “Sala de branco – Vinte variações” (2002). “Durante o processo de publicação do ‘Batendo pasto’, no momento em que ela sentiu confiança em mim, já estava meio programado. Queríamos lançar tudo de inédito que ela tivesse e ainda o que estava fora de catálogo”, conta Domeneck.

 


Com a morte de Maria Lúcia, o projeto foi repensado. Domeneck e Gontijo Flores já sabiam da existência de “Rabo de olho”, mas “Sala de branco” surgiu depois que eles começaram a garimpar.

 

 


Aqui, um parênteses. Maria Lúcia é de uma família de poetas. Terceira dos cinco filhos de Fausto Alvim, advogado e prefeito de Araxá entre 1930 e 1940, e Mercedes, seguiu os passos da irmã mais velha, Maria Ângela. Esta lançou um só livro, “Superfície” (1950), obra celebrada por Carlos Drummond de Andrade. Morreu em 1959, aos 33 anos.

 


O único dos cinco filhos que está vivo é Francisco Alvim, diplomata, hoje com 86 anos. A literatura o conhece como Chico Alvim, celebrado poeta que esteve ligado à poesia marginal e já venceu dois Jabuti.

 


Manuscrito

Foi Umberto Alvim, sobrinho de Maria Lúcia, que apresentou a Domeneck e Gontijo Flores a “Sala de branco”. “O ‘Rabo de olho’, como era uma das edições artesanais delas, estava organizadinho, encadernado. O ‘Sala de branco’ trazia folhas soltas e manuscritos. Foi mais trabalhoso, pois houve o trabalho de decifrar as letras, e tentar colocá-lo na forma que nos chegou”, conta Domeneck.

 


Depois da organização, houve o processo de revisão. “Ela usa muito o francês, citações também, principalmente do Mallarmé. O Gontijo fez a tradução dos versos e criou as notas introdutórias (de cada um dos livros)”, conta Domeneck, que escreveu a orelha do livro.

 


A biografia de Maria Lúcia é cheia de buracos. Na vida adulta, ela viveu principalmente entre o Rio de Janeiro e a Fazenda do Pontal, de sua família, em Volta Grande, Zona da Mata mineira. Mudou-se para Juiz de Fora em 2011.

 


No posfácio, Gontijo Flores cria um retrato biográfico da poeta a partir de informações que teve com o sobrinho, Umberto, e alguns amigos de Maria Lúcia, como Paulo Henriques Britto (a quem ela havia presenteado com os originais de “Batendo pasto”) e Augusto Massi, que editou a coletânea “Vivenda”.

 


Já o prefácio ficou a cargo de Juliana Veloso, que em 2015 defendeu, pela Faculdade de Letras da UFMG, a dissertação “A narrativa histórica na poesia de Maria Lúcia Alvim: Romanceiro de Dona Beja”.

 

Possibilidade de inéditos


Domeneck prefere o título “Poesia reunida” a “Poesia completa” porque não se sabe o que o futuro reserva. “Acredito que ainda seja possível que algo apareça. Se estão encontrando poemas de Drummond até hoje (em 2015, uma pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos descobriu três inéditos da juventude do poeta), é possível que tenhamos uma surpresa.”

 


O mais importante é que “Poesia reunida” apresenta toda a produção poética disponível de Maria Lúcia, cuja obra finalmente está ganhando a atração devida. “Hoje, as poetas que têm posição central são Hilda Hilst e Orides Fontela. Eu colocaria Maria Lúcia nesse rol. Não acho que seja uma poeta que apenas desperta a coisa da reverência, que esteja quase num olimpo. Minha impressão é de que ela está sendo lida com paixão, com uma relação bem pessoal com os leitores”, comenta Domeneck.

 


LANÇAMENTO EM BH

O lançamento do livro em Belo Horizonte está previsto para o próximo dia 22 de outubro, às 19h, na Livraria Quixote. Estão confirmadas as participações de Juliana Veloso, autora do prefácio, e dos professores da UFMG Sérgio Alcides e Gustavo Silveira Ribeiro.


“POESIA REUNIDA”
• Maria Lúcia Alvim
• Relicário (564 págs.)
• R$ 89,90