A carioca Delia Fischer, 60 anos de idade e 40 de carreira, tem uma trajetória fora da curva. Pianista de formação, logo enveredou para o instrumental. Mais tarde, chegou ao teatro musical. Trabalhava muito, mas havia uma insatisfação profissional no ar. Tal questão só foi sanada quando ela passou a cantar suas próprias canções, o que aconteceu efetivamente em 2010, com “Presente”, seu segundo álbum solo.
O recém-lançado “Delia Fischer beyond bossa”, seu sexto solo, tem cara de estreia também. É o primeiro trabalho da cantora, compositora, pianista, arranjadora e produtora voltado para o mercado internacional, todo cantado em inglês. Vem a público por meio do selo norte-americano Origin Records. Sua própria feitura foi também pouco usual.
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Em 2019, Delia lançou o álbum “Tempo mínimo”, trabalho que lhe garantiu sua primeira indicação ao Grammy Latino (para álbum de música brasileira). Na época, a revista DownBeat, bíblia dos jazzistas, lhe deu cinco estrelas pelo disco. Delia procurou o autor da crítica, o jornalista Allen Morrison, para agradecer o reconhecimento.
“Lemon jugglers of Rio”
“Ele me disse que gostaria de ter um entendimento das canções. Na época, eu já procurava alguém para versionar minhas músicas para o inglês. Eu sabia que o Allen era músico também, então propus a ele o trabalho”, conta Delia.
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Algumas canções mantiveram o sentido original da gravação de “Tempo mínimo” e outras, não. “'Corações amarelos', por exemplo, fala dos malabaristas nos sinais vermelhos. O Allen fez a letra de ‘Lemon jugglers of Rio’ (malabaristas de limão do Rio, em tradução livre) explicando que os meninos iam para os sinais de trânsito como uma forma de arte”, conta.
Delia sempre acreditou que este trabalho tinha que ser apresentado com convidados. “Achava fundamental eu ter embaixadores da cultura brasileira presentes”, continua. Os convidados são brasileiros que vivem ou têm um trabalho estabelecido no exterior e estrangeiros com relação com a nossa música.
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A cantora e compositora Luciana Souza, radicada desde os anos 1980 nos EUA – e mais reconhecida lá do que aqui, com seis indicações ao Grammy – divide com Delia “Almost paradise”. “Ela leva muita música brasileira para fora em inglês e grava muito os compositores daqui.” As duas terminam a canção em português.
Turnê no exterior
Outro nome inconteste é Marcos Valle, que dividiu com Delia (a canção é interpretada em inglês e português) a swingada “Workaholic”. “Para mim, ele representa a transformação da música brasileira desde a bossa nova. O que eu faço tem a ver com a bossa, mas também a evolução a partir dela, mostrando que a gente tem liberdade de fazer o que quiser”, continua.
O cantor, compositor e instrumentista Pretinho da Serrinha se uniu ao guitarrista Chico Pinheiro no registro de “The acupuncture song”. Entre os gringos, Delia destaca o italiano Mario Biondi (dividiram “Marketplace”), que em 2018 lançou o álbum “Brasil”, com versos de clássicos do nosso cancioneiro, e Gretchen Parlato, cantora de jazz que já gravou também muita música brasileira.
Com o disco lançado – nos EUA, “Beyond bossa” também teve edição em CD – Delia espera o ano de 2025 para fazer uma temporada no exterior. O que não é propriamente novidade para ela.
Entre o final da década de 1980 e o início da de 1990, a artista manteve parceria com o pianista, compositor e arranjador Claudio Daulsberg, do Duo Fênix, voltado para o jazz e o instrumental. Foram dois discos com esta formação e a participação em festivais europeus, incluindo o de Montreaux.
Uma vez sozinha, Delia começou a tocar com muita gente – Ed Motta, Toninho Horta e Nivaldo Ornellas, entre eles. Era a fase que ela chama de “sidewoman”. Chegou a seu primeiro disco em 1998, quando estava grávida de seu filho, Antonio. O disco leva justamente o nome dele. “Era ainda instrumental, mas eu já estava começando a fazer o ‘lalala’”, conta sobre o trabalho, produzido por Egberto Gismonti.
A intenção de Gismonti era levá-la para uma temporada na Europa, mas com um filho pequeno, Delia não foi. O tempo passou e ela se sentia insatisfeita com os rumos da carreira. Teve um encontro improvável que acabou sendo determinante.
Influência astral
“Indicada por um amigo, procurei uma astróloga, a Cláudia Lisboa. O Antonio, na época, tinha uns 3 anos. Eu dizendo que estava arrependida, que deveria ter sido bailarina. Ela foi olhar meu mapa (astral) e me perguntou: ‘Você canta? Faz letra?’. Eu disse não. ‘Então está explicado porque você está triste. É uma pessoa da palavra, se não se expressar pela voz e pelo texto, nunca vai se realizar’.”
Achando aquilo meio sem sentido, Delia ainda ouviu de Cláudia: “O artista de verdade anda em direção a um sentido novo.” Saiu daquele encontro totalmente mexida. Seis anos depois do encontro com Cláudia, Delia foi convidada para uma temporada na Europa para dividir palco com a dinamarquesa Maria Petersen.
Na época, ela também passou a trabalhar com teatro musical a partir de um convite feito por Ed Motta. Foram várias produções, como “Milton Nascimento – Nada será como antes” (2012), da dupla Cláudio Botelho e Charles Möeller, e “O beijo no asfalto” (2015), de João Fonseca.
“Minha carreira foi ficando espremida (entre os trabalhos com o teatro)”, diz Delia, que lançou alguns discos a partir de 2010 como cantora. “Mas foi a partir de 2019 que entendi que era o momento de cuidar mesmo da minha carreira. Tanto que ‘Tempo mínimo’ fala justamente disso, deste tempo que a gente não controla.”
“DELIA FISCHER BEYOND BOSSA”
Álbum de Delia Fischer
Origin Records
12 faixas
Disponível nas plataformas digitais