"Ninguém é insubstituível." Foi ouvindo essa frase repetida por Marlene Mattos como um mantra - e mais ainda como uma ameaça - que as Paquitas construíram uma carreira de assistentes de palco de Xuxa, mas com status de estrelas da TV. As loiras sabiam que a empresária tinha métodos autoritários, mas assim como a própria apresentadora a obedeciam sem pestanejar. Era o preço a ser pago.
Um ano depois de a própria Rainha dos Baixinhos revisitar sua trajetória na série "Xuxa, o Documentário", agora são as Paquitas que fazem o mesmo, em "Pra Sempre Paquitas", também exibida pelo Globoplay.
Com o mesmo propósito de compreender um fenômeno e fazer um acerto de contas com erros do passado, a série em cinco episódios estreia nesta segunda (16/9), na plataforma, já com todos os capítulos disponíveis.
"A gente pensou em fazer de forma cronológica, porque como somos muitas Paquitas, de três gerações, a gente quis dar voz a todas as meninas e trazer toda essa história", diz Ana Paula Guimarães, ex-Paquita e diretora artística da série. Das 29 Paquitas já existentes, 27 participam da atração.
"A série vai fazendo um paralelo social também, sabe? Da sociedade, desde a década de 1980 até os anos 2000, e passando pela nossa história. A gente fez uma história grandiosa no audiovisual, que a Xuxa dominou, de 1986 a 2002", complementa.
As meninas bonitas, loiras e de shortinhos curtos no começo apenas ajudavam Xuxa na trabalhosa tarefa de domar as várias crianças espalhadas pelo palco. Com o tempo, foram se tornando elas também figuras queridas pelo público, lançando-se como uma atração à parte do "Xou da Xuxa". Gravaram discos, estrelaram filmes e viraram ídolos infantis.
Mas a rotina não era fácil. Trabalhavam muito, dormiam pouco, muitas repetiam de ano no colégio. E tinham uma enorme autoexigência. Também ex-Paquita e cocriadora do projeto, com Guimarães, Tatiana Maranhão conta que a série não ignora um problema duplo que as assistentes de palco enfrentavam: serem mulheres e terem muito pouca idade.
"Tem as tensões dos bastidores, né? Porque nós éramos meninas, e meninas nos anos 1980, quando era uma sociedade muito machista. Mas, além de tudo, nós éramos crianças. Então você já pode imaginar", diz Maranhão. "Na série a gente aborda tudo: racismo, pressão estética, empoderamento feminino, a coisa do cabelo."
A tal "coisa do cabelo" a que Maranhão se refere era a obrigação de, ao menos nos primeiros anos, as assistentes de Xuxa serem loiras. E preferencialmente com as madeixas lisas - como que versões juvenis da apresentadora. Exigência de Marlene Mattos, que detectava entre os brasileiros um fascínio especial por moças assim.
Muitos dos traumas profissionais e até pessoais das ex-Paquitas, segundo a série, podem ser atribuídos à dureza da empresária. Como em "Xuxa, o Documentário", o que não faltam são acusações contra Mattos.
"O nosso projeto existe antes do da Xuxa, mas o dela estrear antes deixou a gente mais à vontade, mais confortável, mais segura", diz Maranhão. "Porque falamos de coisas que nós mesmas nunca tínhamos falado entre nós. E que servem não só para as gerações que estiveram com a gente naquela época, que vão se ver ali e falar: Nossa, mas eu nem imaginava que isso acontecia com essas meninas?. Mas também para essa nova geração que vai poder trazer essa reflexão."
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Guimarães diz que houve uma preocupação em não normalizar os abusos e erros que aconteciam naquela época. "Era uma engrenagem, que funcionava daquela forma. Hoje, com nosso olhar maduro, a gente não acha certo o que acontecia. Mas mágoa? Jamais. Até porque a gente também tem gratidão, porque a gente aprendeu muito ali."
Mattos foi convidada a participar da série, mas não aceitou. "Ela falou que preferia não participar. Agradeceu. E é isso", diz Guimarães.
Outra ausência entre os entrevistados é Luciana Vendramini, que não quis dar depoimento à série. A atriz nunca foi oficialmente uma Paquita, embora tenha participado de vários programas ainda em etapa de testes. No primeiro episódio, Vendramini é mostrada como alguém que se fez valer da experiência para se promover, inclusive posando para uma revista masculina vestida de Paquita na capa.
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Mas Xuxa fez questão de participar, e como em seu próprio documentário, também desta vez ela fala de assuntos sensíveis. Mas aparece sobretudo para ressaltar o valor de suas protegidas.
Aliás, Maranhão diz que o legado de Xuxa e das Paquitas não é valorizado como deveria. "Nos anos 1980, a gente já falava [da inclusão] de pessoas com deficiência, de [proteção aos] bichos, dos LGBTs, já era uma mulher com um microfone na mão... As pessoas ficam falando do shortinho, mas nosso papel foi muito maior, mais bonito."
PRA SEMPRE PAQUITAS
- Quando estreia: nesta segunda (16/9) no Globoplay
- Classificação: 12 anos
- Produção: Brasil, 2024
- Direção: Ana Paula Guimarães e Ivo Filho