Na primeira metade do século passado, retirantes do interior do Nordeste que chegavam a Natal (RN) fugindo da seca, em busca de oportunidades, começaram a improvisar moradias em volta do terreno do Ministério da Guerra – um local de difícil acesso, próximo a dunas.

 



 

Com o passar dos anos, surgiu ali a favela Mãe Luíza, uma comunidade mergulhada numa situação de extrema pobreza e violência. A chegada ao local, nos anos 1970, do padre italiano Sabino Gentili começou a mudar essa realidade.

 


Ao longo de 29 anos, até sua morte, em 2006, ele dedicou a vida àquela população. Nesse tempo, o religioso fez uma verdadeira revolução social na comunidade, que ocorreu de forma silenciosa na vida de cada habitante local, por meio da educação, da saúde, da segurança e da fé. Em linhas gerais, essa é a história contada em “Um novo sol”, escrito por Paulo Lins (autor de “Cidade de Deus”) junto com sua companheira de vida e de arte, Flávia Helena.

 


Definida como bairro em 1958 pelo prefeito Djalma Maranhão, a comunidade já fora conhecida por Monte do Bode e também por Novo Mundo. O atual nome remete a uma mulher, também retirante, chamada Luíza, de quem pouco se sabe, a não ser que foi parteira da comunidade e porteira do Farol de Natal, que hoje também recebe seu nome. As ações de Gentili e dos próprios moradores do bairro trouxeram melhorias ao local e redundaram na criação de ONGs, como a Fundação Ameropa.

 


Foi a presidente dessa entidade internacional, com base na Suíça, Nicole Miescher, quem entrou em contato, no final de 2018, com Lins, segundo Flávia. “Esse livro nasceu por encomenda. Mãe Luíza é hoje um bairro estruturado em Natal, muito em função do trabalho social da Ameropa, e eles queriam divulgar essa atuação de quase 30 anos naquele local, mas de uma maneira diferente”, diz. Nicole sugeriu um livro, mas não queria que fosse um mero registro documental.

 

Divisão em duas partes


“Um novo sol” é dividido em duas partes. A primeira é a história de uma família obrigada a fugir da seca do sertão, imigrando para a cidade grande, a despeito da discordância de alguns membros da família com a mudança. Flávia diz que essa ficção engloba elementos da realidade de Mãe Luíza.


“A proposta da Fundação Ameropa era de escrevermos uma história baseada em coisas que aconteceram na comunidade. Aí entra a questão dos retirantes da seca e a doação do terreno, que estão na primeira parte do livro. A segunda parte é a transformação mesmo do lugar, pela ação dos próprios moradores e de agentes externos, como o padre Sabino Gentili, e está descrita de maneira mais real, mas sem perder o nexo com a primeira parte”, afirma.


Cultura de solidariedade


Essa segunda parte mostra como Mãe Luíza passou de uma favela miserável a uma comunidade ativa. Os índices de violência e a taxa de homicídios caíram de forma expressiva, bem como a mortalidade infantil. Flávia explica que, a partir do contato da Ameropa, a dupla de autores realizou três viagens a Mãe Luíza – as duas primeiras de uma semana cada uma e a terceira de 15 dias – para um trabalho de pesquisa que consistiu, sobretudo, em entrevistas com moradores e representantes de ONGs.

 


Ela recorda que a primeira viagem a Mãe Luíza foi no início de 2019. “Conhecemos as pessoas e as várias iniciativas que existem lá, a escola de música, a casa de repouso para idosos, as unidades de reforço escolar. Andamos bastante pelo bairro e almoçamos nas casas dos moradores”, conta.

 

Força de vontade


O que mais chamou sua atenção nessas incursões foi a força de vontade dos habitantes do local no sentido de mudar uma realidade muito adversa. “Era um lugar extremamente precário, com muita violência, mortalidade infantil alta, aí veio o padre Sabino, que começou um trabalho ao qual se juntaram outras pessoas com um grande poder de transformação. Tinha casas sem nenhum tipo de saneamento e a questão da infraestrutura também foi resolvida graças a mutirões, com uns trabalhando em prol dos outros.”

 

Questionada se é otimista em relação à realidade brasileira, Flávia responde que “mais ou menos”, mas pontua que o caso de Mãe Luíza dá um alento. “Esse trabalho, essa história que o livro traz, mostra que, se houver recursos e se tiver um trabalho sério, dá, sim, para ser otimista. O que aconteceu e o que acontece em Mãe Luíza enche a gente de esperança, então, apesar de eu ser só mais ou menos otimista com relação ao Brasil, esse trabalho me deu um respiro de esperança.”

 

 

Um mundo mais justo

 

No prefácio de “Um novo sol”, Paulo Lins aproxima a história da comunidade Mãe Luíza da sua própria para falar de desigualdade e de oportunidades. “A luta para termos um mundo mais justo deve partir de toda pessoa de boa vontade", escreve, e emenda: "Hoje, sou formado em Letras, sou escritor, trabalho com cinema e televisão, graças às pessoas de boa vontade que trabalharam e lutaram por justiça social, da mesma forma que as pessoas que encontrei em Mãe Luiza. Fui convidado para escrever esse romance – de final feliz – sobre como se pode ajudar pessoas a terem os seus direitos humanos reconstituídos, devolvidos ou até mesmo adquiridos".


“UM NOVO SOL”
• Paulo Lins e Flávia Helena
• Gryphus Editora (74 págs.)
• R$ 49,90

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