O Centro de Arte Popular recebe, a partir desta quinta-feira (19/9), a exposição “A beleza do imperfeito”, que abarca arte, educação e relatos da vida no cárcere. Ela resulta de uma série de oficinas realizadas em unidades prisionais de São Joaquim de Bicas, município vizinho de Igarapé.

 




A curadoria é coletiva, formada pelos artistas e professores Angelita Mercês, Helena Macedo, Luhh Dandara, Marcella Mafra, Mari Flecha, Odette Castro, Tê Araújo, Varda Kendler e Tio Flávio, docente, escritor e palestrante. Um dos promotores da iniciativa, ele diz que a exposição traz reflexões sobre liberdade, família, sobrevivência no cárcere, fé, arte e educação, trabalho e sonhos.

 


O tema da mostra, segundo diz, é uma provocação para que a sociedade entenda a complexidade do assunto. O Ministério da Justiça e Segurança Pública aponta que, em 2023, o número de pessoas privadas de liberdade no Brasil ultrapassou 850 mil. Em 2000, os dados registravam pouco mais de 230 mil indivíduos no cárcere.

 


Tio Flávio diz que a atuação do movimento nas unidades prisionais que gerou a exposição começou por uma demanda do Departamento Penitenciário de Minas Gerais, diante de um quadro de altos índices de suicídio na penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, voltada exclusivamente para a comunidade LGBTQIA+. “O Tio Flávio Cultural foi chamado para tentar fazer algo para conter aquela onda de suicídios, e fomos lá para entender o que estava acontecendo”, diz.

 


A equipe tomou conhecimento, pelos detentos, de um caderno em que escreviam coletivamente sobre suas vidas e seus dramas. “Começamos a trabalhar, para tentar sanar o problema, a partir dessa válvula de escape que eles tinham. Durante a pandemia, os detentos não podiam contar com visita de família, não tinham igreja, não tinham nada. A comunidade LGBTQIA+ já é muito vulnerável, vive uma situação de abandono grande, que foi amplificada naquele período”, afirma.

 


Voluntários

A educação, em diferentes níveis, e as oficinas ministradas pelos professores e artistas voluntários do Tio Flávio Cultural acabaram se expandindo para outras duas unidades prisionais da cidade – Bicas 1 e Bicas 2. Os recursos para esse trabalho foram destinados pelo Conselho da Comunidade de Igarapé. O movimento foi convocado pelo Departamento Penitenciário de MG por acumular uma experiência de 11 anos atuando em Associações de Proteção e Assistência aos Condenados (APACs).

 

Tio Flávio destaca que as oficinas – de macramê, pompom, crochê e tsurus, entre outras técnicas – foram desenvolvidas já tendo em mente uma exposição. Durante essas oficinas, os professores e artistas voluntários provocavam os detentos, a partir dos relatos registrados no caderno – replicado em outras unidades prisionais como “Diários da liberdade –, a escrever cartas para a criança que um dia eles foram, bem como fazer desenhos. Esse material escrito se soma às obras na exposição.

 

Antes da prisão


“A água que nasce da fonte não nasce suja, então, no processo, onde é que ela vai adquirindo impurezas? O que estamos fazendo ali é emergencial, mas temos que trabalhar na fonte, por isso pedimos que escrevessem cartas falando da infância. Os desenhos que também compõem essa mostra tratam de preconceito, de família e de assuntos ligados a momentos anteriores ao encarceramento. É um material importante para entendermos o que fazer e o que evitar”, afirma.

 


A curadoria coletiva não consistiu num trabalho de seleção, mas sim de olhar o que foi produzido nas oficinas e pensar em como valorizar essas obras em um espaço expositivo. “Todas as artes reunidas nesta mostra são de muito sentimento, são de histórias, então a ideia é dar relevo ao que chegou às nossas mãos. Não descartamos nada. O próprio nome da exposição já se orienta por essa ideia – não faria sentido descartar uma obra que não estava visualmente bela, já que a proposta é trabalhar a beleza do imperfeito”, observa Tio Flávio.

 

Sistema imperfeito


O título da exposição, a propósito, não alude aos detentos e nem mesmo aos seres humanos de modo geral, mas ao sistema. “Se o sistema é imperfeito, há beleza nele? Existindo essa beleza, nossa missão é tentar externá-la. No caso específico desse público com que trabalhamos, trata-se de tentar atingir o que ele tem de melhor dentro de um ambiente muito cinza. Nise da Silveira (médica psiquiátrica que revolucionou o tratamento da saúde mental no Brasil) dizia que não acreditava na cura pela violência; nós também não”, diz.


Ele reitera que a questão do encarceramento não é um problema do detento ou da Secretaria de Segurança ou do Tribunal de Justiça, mas de toda a sociedade. “O preso vai cumprir pena, vai sair e vai nos encontrar, então temos que pensar em como transformá-lo. Nossa provocação é no sentido de tentar fazer entender que as ações dentro do cárcere são de responsabilidade comum. É preciso pensar alternativas para trabalhar esse tempo de pena que eles têm para que seja, nem digo produtivo, mas reflexivo, porque se deixarmos como está, não vai ter melhora”, afirma.

 


“A BELEZA DO IMPERFEITO”
Exposição em cartaz a partir desta quinta-feira (19/9) até 20/10, no Centro de Arte Popular (Rua Gonçalves Dias, 1.608, Lourdes), com horário de visitação de terça a sexta, de 12h às 18h30, sábados e domingos, das 11h às 17h. Entrada franca.

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