Fios vermelhos de lã se entrelaçam suavemente entre os dedos de uma mão branca, com unhas também vermelhas. Formam uma trama que evoca uma brincadeira de cama de gato, enrolando-se e desenrolando-se até assumirem, em determinado momento, a forma de um ovário. Depois, desmancham-se, voltando a ser fios esticados que começam a se enredar em pés com unhas igualmente pintadas de vermelho.

 




A cena faz parte da videoperformance “Träume”, da bailarina, coreógrafa e professora de dança Paula Davis, que será exibida na abertura da mostra de videodança da 32ª Quinzena de Dança de Almada – International Dance Festival, em Portugal, nesta sexta-feira (20/9). Paula é a única brasileira selecionada para o festival. Não haverá transmissão on-line.


A artista, no entanto, não tinha grandes pretensões ao criar a performance. “Träume” surgiu de um convite para desenvolver uma intervenção artística que abriria uma jornada de psicanálise no ano passado. Assim, conforme sugere o próprio título da videodança (träume significa "sonhos" em alemão), a coreografia foi guiada por desejos inconscientes, resultando em movimentos espontâneos.

 


“O sonho é esse espaço do inconsciente, onde as coisas nunca estão completas e podem se transformar. Por isso, o fio. Ele forma uma trama que nunca está finalizada e se transforma ao longo da performance”, explica Paula.


No céu e na terra

 

Em pouco mais de quatro minutos, a bailarina se enreda pelos fios vermelhos, dando a eles diferentes formas a cada movimento. Tudo é captado em closes intensos das mãos e dos pés da bailarina, ao som da canção instrumental “Golden hour”, de Jonas Kolberg. Essas partes do corpo, segundo Paula, representam as duas pontas que conectam o bailarino ao céu e à terra enquanto dança.

 


Os enquadramentos fechados também ressaltam o contraste entre o vermelho vibrante dos fios e do esmalte com a pele clara da mineira, funcionando como uma metáfora para o diálogo entre as partes interna e externa do corpo humano. “O vermelho estabelece uma ligação com questões anatômicas. Vejo esses fios vermelhos como veias e vasos sanguíneos, que representam o sangue, a mulher – que menstrua e, portanto, o sangue está presente nela – e o parto”, diz.

 


Dessa forma, “Träume” se torna uma performance com uma perspectiva feminina sobre questões significativas para as mulheres. Para alcançar essas visões, Davis contou com a colaboração de Carina Aparecida, responsável pela direção de fotografia e edição do vídeo. “Ela tem um olhar muito poético para tratar sobre isso. Acredito que essa característica – especialmente os closes nas mãos e pés – foi um diferencial que contribuiu para a seleção de ‘Träume’ para o festival de Almada”, ressalta.


Inspiração na poesia

 

A videodança é uma ramificação de “Poesias dançantes”, livro de poemas publicado por Paula Davis em 2019, que já abordava temas de alinhavo e costura. É como se ela desmembrasse o livro nessa videodança. Contudo, conforme ela pondera, tal videodança “é um trabalho muito mais amplo, que abrange a literatura e as artes cênicas”.


Após a exibição de “Träume” no festival de Almada, Davis pretende compartilhar temporariamente a videoperformance em seu canal no YouTube (@pauladavis.bailaletra). Contudo, ainda não decidiu se, de fato, fará isso e nem por quanto tempo deixará o vídeo disponível.

 

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