Anna Muylaert diz que ficou, naturalmente, feliz de ser a homenageada da 18ª edição da Mostra CineBH, mas também um pouco desconcertada. “Eu, como mulher educada numa sociedade que desvaloriza a mulher, não sou muito acostumada com isso. Tem um lado que fica: 'meu Deus, eu não mereço'. Mas, enfim, se acham que mereço, fico mesmo feliz”, afirma. Ela comenta que chegou aos 60 neste ano, o que reveste de um caráter especial o tributo.

 




“Quando tem essa homenagem e reúnem todos os seus filmes, você toma consciência do tamanho daquilo que fez. Some-se a isso o fato de que tenho paixão por Minas Gerais. Fui ver o novo filme do André Novais (“O dia que te conheci”) por esses dias e fiquei apaixonada. Como paulista, entendo os mineiros como seres superiores. Tenho muito respeito por essa cultura”, diz. Na verdade, a Mostra Homenagem não reúne todos os filmes de Anna, mas um conjunto bastante representativo.

 


Além de seu novo longa, “O clube das mulheres de negócios”, que marca a abertura da 18ª CineBH, integram a programação “Durval Discos” (2002), “Que horas ela volta?” (2015), “Mãe só há uma” (2016) e “Alvorada” (2022), além de dois curtas indicados por ela – “O nosso pai” (2022) e “Um café com meu avô Durval” (2021). “A ideia inicial era botar todos os meus filmes, mas alguns tiveram problemas de exibição. Entrei mais para cuidar dos curtas”, comenta.

 


Foco no assédio


Quando fala em “sociedade que desvaloriza a mulher”, a cineasta tange um tema central em “O clube das mulheres de negócios”: o abuso e o assédio sexual. Ela diz que a motivação para realizar o filme, rodado em julho de 2022, em São Paulo, foi seu pasmo com o estado atual das coisas, nos campos político e social.

 


“Fiz esse trabalho movida por um sentimento de estupefação diante do caminho histórico que a política brasileira tomou de 2016 em diante, com todos esses demônios que saíram do armário e se esparramaram por aí. Não é que isso seja novo, mas tomou um aspecto explícito. Deu em mim uma revolta e uma vontade de trabalhar também com uma linguagem mais explícita”, afirma.

 


Em “O clube das mulheres de negócios”, Jongo (Luís Miranda), fotógrafo renomado, chega de manhã ao lado do jovem e inexperiente jornalista Candinho (Rafael Vitti) em um clube de campo decadente da alta sociedade de São Paulo, comandado por Cesárea (Cristina Pereira) e sua fiel escudeira, Brasília (Louise Cardoso) – um ambiente onde metade das mulheres estão envolvidas com a Justiça, e onde Candinho viverá um dia de revelações que o farão repensar sua identidade, segundo a sinopse.

 


Anna pondera que caberia a um crítico de cinema apontar o traço mais marcante de sua filmografia, mas não se furta a uma autoavaliação. “Acho que existe um esforço no sentido de tirar o que está embaixo do tapete e colocar em cima, fazer reverberar o que está posto, mas não é falado. Isso vem desde 'Durval Discos' até 'O clube', que traz esse tema em que ninguém gosta de tocar, que é o assédio e a reação da mulher.”

 


A cineasta estará em BH para a sessão de abertura da Mostra. Ela julga que “é mais fácil ver algumas coisas numa obra audiovisual do que na realidade, que tem cheiro, volume, densidade”. Ela retorna para São Paulo no dia seguinte, porque está às voltas com um novo trabalho. “Gostaria de ficar mais para acompanhar a mostra, mas estou marcando a luz do filme que rodei no ano passado, que se chama 'A melhor mãe do mundo' e tem previsão de lançamento para 2025”, conta.

 

 

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