Recife (PE) – Foi em 1971 que o pintor e artista plástico pernambucano Francisco Brennand (1927-2019) assumiu as ruínas da fábrica de telhas e tijolos de seu pai no bairro da Várzea, em Recife. Ele transformou o espaço em ateliê-oficina e, pouco a pouco, foi povoando o local com suas obras, até fazer daquilo uma verdadeira cidadela artística.

 


Atualmente, a Oficina Francisco Brennand – nome com o qual o espaço foi batizado – é um museu a céu aberto que, além de preservar e expor o legado do artista pernambucano, pretende se nacionalizar propondo experimentações com novos artistas, pesquisas e atividades educativas que pautam discussões sobre arte.

 


Desde o início do ano passado, a instituição vem promovendo cursos de formação, círculo de aulas, residências artísticas e mostras coletivas com artistas de diferentes regiões do país. Na semana passada, o pernambucano indígena Fykyá e o mineiro Jorge dos Anjos inauguraram uma pequena mostra com obras que são fruto do trabalho deles no programa de residência da Oficina.

 


Fykyá modelou esculturas inspiradas em personagens das tradições do povo Pankararu, como a Mãe d'Água, o Menino do Rancho e o Praiá. E Jorge dos Anjos desenvolveu carimbos de cerâmica que foram aquecidos no fogo e usados para marcar tecidos de feltro com diferentes formas e composições.

 




Em novembro, entrará em cartaz a exposição coletiva “Cosmo-Chão”. Dos 15 artistas que terão suas obras em cartaz, quatro são de Minas: Advânio Lessa, Davi de Jesus do Nascimento, Josi e Solange Pessoa.

 


“Isso é resultado de um projeto institucional que a gente vem desenvolvendo para explorar mais o potencial da Oficina”, conta o presidente da instituição, Marcos Batista Andrade. “Queremos atrair um número cada vez maior de visitantes e ser uma das referências do nosso segmento no Brasil”, diz.

 


É tentador supor que o presidente da Oficina Francisco Brennand queira transformar o museu pernambucano num similar do Instituto Inhotim no Nordeste. Mas ele diz que não é bem essa a ideia. Existem diferenças significativas entre os dois espaços.

 

A principal, que distingue a Oficina de Instituto de Arte Contemporânea em Brumadinho, é a aura de ambiente devocional à arte que envolve o museu pernambucano. A Oficina nasceu com o propósito de ser um local de culto à arte, com espaços sugestivos, como, entre outros, Pátio do Templo, Templo do Sacrifício e Capela Imaculada Conceição.

 


O misticismo, aliás, é substancial na arte de Francisco Brennand. O ovo, símbolo universal da criação, é presença constante em sua produção. Assim como o pelicano, que, na perspectiva cristã, representa sacrifício, doação e altruísmo; as serpentes, que na mitologia grega são regeneração e cura; e as tartarugas, que carregam o mundo nas costas, segundo a mitologia chinesa.

 


Mitos da criação

São muitas as obras de Brennand que retratam personagens de mitos da criação do mundo. No Pátio do Templo, espaço central da oficina, por exemplo, nos deparamos com esculturas de Adão, Eva e Caim. Os personagens bíblicos foram colocados no final do Pátio, de modo que, para chegar até lá, o visitante precisa passar por um corredor repleto de serpentes esculpidas em cerâmica e atravessar um monumento central que tem como destaque uma enorme cúpula azul. É uma espécie de meio-mundo cercado de mitos.

 


Do lado direito do Pátio do Templo estão os Salões de Esculturas. Trata-se de um conjunto de salas expositivas (10 ao todo) com cerca de 500 peças produzidas por Brennand, um corredor de murais de cerâmica e fornos gigantescos que foram utilizados na queima da argila, mas agora servem como réplicas de capelas nas quais o visitante pode entrar e ver algumas obras.

 


Os salões são uma síntese da poética de Brennand. Suas obras – todas muito oníricas, cumpre dizer – estão dispostas de maneira labiríntica, mas sempre em diálogo com a mitologia. É como se a expografia emulasse a própria mitologia.

 


Na sala denominada Núcleo Saturno, que está dentro dos Salões das Esculturas, a representação de Saturno está ao centro e diante de Urano, o pai tirano, que, de acordo com a mitologia romana, foi expulso da posição de soberano entre os deuses. Na órbita dos dois, repousam ovos, serpentes e ninfas – entre elas, Lara, que teve a língua cortada por Júpiter.

 


“A tragédia também tem uma presença muito forte na obra de Brennand”, destaca a curadora do “Núcleo Saturno”, Rita Vênus. “Há várias esculturas que, quando não representam figuras que sofreram alguma tragédia, trazem um semblante triste”, acrescenta.

 

Os Salões das Esculturas são um dos únicos espaços que não contam com expografia planejada por Brennand. Até julho passado, as peças se encontravam de outra maneira. No entanto, uma forte chuva provocou várias enchentes em Recife e obrigou os organizadores da Oficina a retirar as esculturas do local. Na hora de recolocá-las, a instituição convidou Rita Vênus para desenvolver uma nova disposição para as peças.

 

*O repórter viajou a convite da Oficina Brennand

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