“Além de servir como ateliê, a Oficina também funcionava como fábrica de ladrilhos”, recorda Marcos Batista Andrade, presidente da Oficina Francisco Brennand. “Brennand manteve essa fábrica ativa até 2014. Ela foi responsável pela confecção do painel na entrada da Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), aqui em Recife, e do mural que reveste a lateral do Edifício Bacardi, em Miami”, afirma.

 




A venda de pisos e revestimentos, aliás, sustentou a produção artística de Brennand. A partir dos estudos para desenvolver essas peças, ele descobriu novos materiais e técnicas que incorporou ao seu fazer artístico, aprimorando os processos de pintura e esmaltação. Erros na produção também foram integrados às obras: peças que queimaram mais do que deviam ou se quebraram eram enviadas para os Salões das Esculturas.

 


Hoje, Brennand é um nome incontornável das artes plásticas de Recife. Além do acervo de quase 3 mil peças na Oficina, suas obras estão espalhadas pela cidade. O artista assina murais no Aeroporto Internacional do Recife Guararapes, no Museu do Homem do Nordeste, na Rua das Flores, no Shopping Recife e no Marco Zero, especialmente no Parque das Esculturas. É nesse local que se encontra seu trabalho mais conhecido: a Torre de Cristal, de 32 metros de altura, que os recifenses apelidaram jocosamente de “a pica de Brennand” devido ao seu formato fálico.

 


Entretanto, a Torre de Cristal simboliza a Mata Atlântica e seu nome remete à Flor de Cristal, descoberta por Burle Marx no Equador.

 

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A brincadeira em torno do formato da escultura pode ser vista como mais do que um mero gracejo, uma vez que a sexualidade e o erotismo são temas recorrentes na obra de Brennand. Não é raro que os visitantes encontrem em seu acervo esculturas de figuras femininas nuas e objetos que evocam a copulação. “Minha preocupação é a reprodução”, afirmou Brennand à agência de notícias francesa France Press, em 2008. “A vida é eterna porque reproduz, e não pode haver reprodução sem sexualidade.”

 


Miró e Picasso

Quem observa o vasto acervo da Oficina não imagina a resistência que Brennand teve para abraçar a cerâmica, que inicialmente considerava uma “arte menor”. Foi somente no final da década de 1940, durante suas viagens à Europa, que ele se deparou com as cerâmicas de Joan Miró (1893-1983) e Pablo Picasso (1881-1973) e, assim, superou esse preconceito.

 


No início, Brennand mantinha o ateliê fechado e não recebia visitas. Com o tempo, à medida que o espaço se transformou em uma cidadela artística, curiosos começaram a aparecer. Brennand não se incomodava; recebia as pessoas, mostrava suas obras e, quando crianças apareciam, aproveitava para ensinar sobre a produção em cerâmica.

 


Durante o trabalho, ele gostava de ouvir canto gregoriano. Inclusive, o galpão que abrigava seu escritório tem um ar gótico, com espaços que lembram construções medievais, vitrais coloridos e arcos.

 


Tais características, contudo, contrastam com a arquitetura contemporânea da Oficina, que inclui o Pátio do Templo repleto de esculturas oníricas, o jardim projetado por Burle Marx e a Capela Imaculada Conceição, criada pelo modernista Paulo Mendes da Rocha em parceria com Eduardo Colonelli.

 


Astecas e Incas

Em 2005, Brennand inaugurou o Templo do Sacrifício, o último espaço da Oficina. Construído sobre as ruínas de um galpão localizado na extremidade do terreno, próximo ao Rio Capibaribe, o local abriga esculturas que representam o asteca Moctezuma II e o inca Atahualpa, além de réplicas de crânios, aludindo ao massacre dos povos nativos durante a colonização europeia. Na parede oposta à entrada, estão as cinzas de Brennand.

 


Com o Templo do Sacrifício, o artista parece ter encerrado um ciclo de produção que, iniciado na religiosidade (com esculturas religiosas, incluindo o ofá de Oxóssi como símbolo da Oficina), culmina em uma crítica social.

 


Como escreveu o arquiteto Fernando Almeida, que ajudou a transformar as ruínas da antiga fábrica de telhas e tijolos na Oficina como a vemos hoje, enquanto a Capela Imaculada Conceição expressava uma ode a um ideal moral, “o Templo do Sacrifício era, sem dúvida, uma oposição: um lugar de procissões maculadas, de ritos silenciados, uma explícita diatribe ao Ocidente e suas alegorias de êxito e triunfo”.

 

*O repórter viajou a convite da Oficina Francisco Brennand

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