Morreu nesta quinta-feira (26/9), aos 84 anos, o poeta carioca Armando Freitas Filho. A informação foi confirmada pela Companhia das Letras, editora que publicava o artista, e a causa não foi revelada.

 



 

Freitas Filho foi um dos maiores poetas contemporâneos do Brasil. Em vida, colecionou três Jabutis, e os prêmios Alphonsus Guimaraens, Portugal Telecom de Literatura e Moacyr Scliar. Sua estreia na poesia foi em 1963, com o livro “Palavra”. Na década de 1970, flertou com a poesia marginal, mas acabou não se associando ao movimento – talvez sua única filiação tenha sido ao movimento Instauração Práxis, que fazia oposição às ideias do concretismo.

 

Definindo-se como “escritor trifásico”, Freitas Filho sempre manteve um método para escrever: começava à mão, passava o texto para a máquina de escrever e, depois, ao computador. Foi assim que ele deu à luz a poemas como “À mão livre” (1979), “Duplo cego” (1997), “Fio terra” (2000) e “Raro mar” (2006).

 

 

Além de poeta, Freitas Filho ainda trabalhou como pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa, foi secretário da Câmara de Artes no Conselho Federal de Cultura, assessor do Instituto Nacional do Livro, pesquisador na Fundação Biblioteca Nacional e assessor no gabinete da Presidência da Funarte, cargo no qual se aposentou. Também foi o responsável por organizar a obra da colega e amiga Ana Cristina César (1952 –1983), com quem ele afirmou ter aprendido a escrever de modo autêntico.

 

Nos anos 1960, durante a ditadura, passou um longo período recluso e, conforme dizia, “atormentado pela insônia e pelo ódio ao regime militar”. Foram dois anos sem colocar os pés para fora de casa, lendo e relendo versos que escrevia, mas não lhe agradavam.

 

Três mosqueteiros

 

Freitas Filho era bem relacionado em seu meio. Aos 22 anos, conheceu Manuel Bandeira (1886-1968). Pouco depois, conheceu Drummond (1902-1987) no Centro do Rio de Janeiro. Sem formação acadêmica, dizia que era “formando em Antonio Candido”, o crítico literário paulista.

 

“Meus três mosqueteiros são, como já disse algumas vezes, por ordem de entrada: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar D’Artagnan”, disse ao Estado de Minas, em 2013, quando lançou "Dever", coletânea que marcou seus 50 anos de militância poética.

 

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Em outra entrevista ao EM, em 2021, época do lançamento de “Arremate”, Freitas Filho destacou que escrever era sua maneira de se manter vivo. “Não sei bem o que é inspiração. Sei o que é expiração, vou indo, fazendo descobertas, e a poesia acontece. João Cabral sempre me dizia, meio de brincadeira, que os poetas deviam escrever um poema por dia. A única coisa que sei fazer mais ou menos é escrever. Por isso, publico um livro a cada três anos”, afirmou.

 

"“Meus três mosqueteiros são, como já disse algumas vezes, por ordem de entrada: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto e Ferreira Gullar D’Artagnan”"
por Armando Freitas Filho, poeta

 

“Arremate” veio em momento delicado, na época que o Brasil lidava com o pior momento da pandemia. A publicação, contudo, chegou como acervo poético de um momento histórico (2013-2019) cuja noção de fim impunha-se. Ao longo das cerca de 300 páginas (feito difícil para um livro de poesias, diga-se), Freitas Filho revelou sua paixão pelas artes visuais, homenageando obras e criadores, entre eles as botas de Van Gogh e de Chaplin, e a pintura de Pancetti. 

 

Deus, uma bíblia

 

Também incluiu referências a escritores amigos, chamando Drummond “Deus, uma bíblia” (“como pode escrever daquele jeito?”), Bandeira e João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Kafka, Baudelaire, Rimbaud, Emily Dickinson e Graciliano Ramos.

 

Ainda que colecionasse prêmios, Freitas Filho não se preocupava em ser laureado. Seu intuito era atingir e conquistar, com sua poesia, quem quer que fosse indiferente ao seu trabalho.

 

“Prêmios, consagrações e respeito são duvidosos por natureza”, disse ele, ainda na entrevista de 2013. “Há sempre aqueles que não me premiam, não me consagram, não me respeitam. Portanto, o sentimento que tenho, ao sentar para escrever, é tentar fazer com que eles me respeitem, somente”, acrescentou.

 

Em 2022, Freitas Filho estreou na prosa com o sugestivo “Só prosa”. Os textos, no entanto, embora não fossem em versos, versavam sobre a poesia e poetas amigos. Tudo isso escrito com o lirismo poético que lhe era característico, abrangendo para questões sobre o mundo, o tempo e as transformações do Rio de Janeiro (a cidade era tema recorrente de seus poemas).

 

Por publicar “um livro a cada três anos”, “Só prosa” foi o último lançamento de Freitas Filho, que deixa a esposa e dois filhos, Carlos e Maria.

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