Artista prolífico, LuizGA – alter ego do cantor e compositor Luiz Gabriel Lopes – disponibilizou recentemente nas plataformas seu novo EP, "Real cinema", um trabalho que, de forma espontânea, não planejada, acabou ganhando uma conformação inédita em sua discografia. O trabalho reúne cinco faixas, sendo quatro de autoria do próprio LuizGA (uma delas em parceria com Clara Delgado) e a quinta, uma composição de Maxi Huni Kuin e Daniela Sales Kaxinawa.

 




As músicas que integram "Real cinema" foram produzidas a partir de bases de voz e violão gravadas ao vivo em dois shows que ele realizou no Teatro do 4º Mundo, em São Paulo, em 2023, pouco antes de retornar para Portugal, onde está radicado desde 2021. A partir dessa matéria prima, o artista e Otávio Carvalho – diretor do selo Pequeno Imprevisto, que chancela o lançamento – foram adicionando sutis camadas extras ao material original, intervenções de sound design e o violino do português João Silva.

 

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LuizGA observa que trata-se, portanto, de um disco que mistura as ideias de gravação "ao vivo" e "em estúdio", revigorando ambos os conceitos. O ponto de partida, conforme diz, foi o desejo de produzir uma gravação ao vivo, durante um show, para que parte do material ou ele inteiro pudesse ser trabalhado para um lançamento. A gravação dos dois shows foi feita ao final de uma temporada de apresentações pelo Brasil, de acordo com o artista.


Tempo de decantação

 

"Já tinha uma conversa com o Pequeno Imprevisto, o selo do Ota, com quem tenho gravado. Ele levou o equipamento e fez o registro nas duas noites. Depois, como tudo na vida, teve um tempo de decantação do material, para que pudéssemos ouvir com certo distanciamento, de modo a selecionar os takes que achássemos melhores. Aí é que bateu a ideia de pegar os que formavam um ecossistema e produzir em cima", diz. Ele pontua que o encontro com João Silva reforçou esse desejo.

 

 

"Produzimos em Barcelona, onde já tínhamos tocado juntos, algumas gravações de violino em cima desses takes e depois acrescentamos umas camadas muito sutis com o Ota, com essa ideia de manter a voz e o violão gravados ao vivo como base", explica. LuizGA diz que o ponto de chegada de "Real cinema" foi entender o percurso e fechar nessas cinco faixas com a identidade que elas têm, com essa sonoridade, "preservando a coisa rústica do ao vivo como um posicionamento estético e político".


Ele destaca que o EP resulta de um processo que se desenvolveu a cada etapa, já que no início não tinha clareza sobre o que exatamente pretendia fazer. "Cheguei a pensar que poderia ser só um disco de voz e violão ao vivo, mas foi se expandindo, pelo encontro com o João e pelo envolvimento com o Ota. Foi muito do fluxo. Nunca tinha feito isso antes e tampouco existia previamente essa ideia empacotada", pontua.


Realidade e ficção

 

Sobre o título, ele diz que tem mesmo a ver com a linguagem de documentário e com sua formação na Fafich (Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG), quando esteve muito envolvido com o Forumdoc –Festival do Filme Documentário e Etnográfico e com o questionamento frequente que esse tipo de produção carrega, sobre o que é real. "É um jogo entre realidade e ficção, entre o que é real e o que não é, o que é autobiográfico e o que não é, um jogo que já faz parte dos meus esquemas mentais", ressalta.

 

 

Ele diz que também alude a um desejo de trazer para esse conjunto de canções uma "sensação mais cinematográfica", a partir de paisagens sonoras e espaços imaginários para cada música, "mas de maneira bem simples, sem rodar muito a lâmpada". LuizGA salienta que ficou bastante surpreso com a recepção a "Real cinema", no que diz respeito aos plays no Spotify, por exemplo. Ele considera que, com pouco tempo de lançamento, o EP conseguiu despertar uma atenção grande do público.


"A gente fica apreensivo quando vai apresentar um trabalho novo, ainda mais eu, que lanço muita coisa, dois trabalhos por ano, em média, fico com a impressão de que as pessoas não estão acompanhando. Mas não consigo fazer de outra forma, dedico minha vida a isso, aos assuntos da arte, então é natural que eu produza muito. Também tive feedbacks legais em termos de crítica. Tenho estado muito surpreendido com os resultados, até porque não estou numa campanha. É a música fazendo o caminho dela", comemora.


Conexão indígena

 

As duas últimas faixas do EP – "Abya ayala", de autoria do próprio LuizGA, e "Yame awa kawanay", de Maxi Huni Kuin e Daniela Sales Kaxinawa, gravada com as vozes de Maspã Huni Kuin, Txana Tuin Huni Kuin, Yura Shane Huni Kuin e Shane Saite Huni Kuin – revela o aprofundamento da relação do artista com o povo Huni Kuin, que ocupa o Acre e o Sul do Amazonas (além do Leste peruano), e com quem ele vem trocando experiências e conhecimentos desde 2019.


Com o cantor, compositor e instrumentista Paulo Novaes – vencedor do Grammy Latino 2021 na categoria melhor canção em língua portuguesa, com a música "Lisboa" – LuizGA está às voltas com a Txai Band, que envolve o grupo Kayatibu, formado por músicos do povo Huni Kuin. "Já lançamos o single 'Tamani' (nome do cacique da aldeia Chico Curumim) e a ideia é ir apresentando singles até o fim do ano, quando sai o álbum inteiro. Os dois próximos singles são de autoria do Kayatibu. A Txai Band é um fio para desenrolar", diz.

 

Experiências em show

 

LuizGA conta que chegou a montar um show, chamado "Real cinema", com o percussionista Juninho Ibituruna, que também está radicado em Portugal, mas dentro do que chama de um "conceito expandido". A dupla se apresentou em Lisboa e fez uma pequena circulação pela Itália. O músico observa que os EPs são capítulos curtos que fazem parte de uma narrativa mais ampla, de construção.

 

"Há algum tempo tenho lançado trabalhos com menos faixas, porque acho que são recortes interessantes de assuntos e situações mais específicas, o que me permite não ficar preso a essa necessidade de divulgação de um show, de um álbum. Às vezes uma apresentação minha tem metade das músicas novas, que fiz na semana passada. Podem aparecer coisas que estão ligadas a um trabalho, um projeto, mas estão ligadas sobretudo a uma dimensão de experiência, o que no atual momento me interessa mais", afirma.

 

 

"Real cinema"
• De LuizGA
• Selo Pequeno Imprevisto
• 5 faixas
• Disponível em todas as plataformas digitais

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