A história da androide Nadi, que adota as crianças David e Lina, é contada com originalidade e em bom mineirês no filme que chega hoje aos cinemas -  (crédito: espacial filmes/divulgação)

A história da androide Nadi, que adota as crianças David e Lina, é contada com originalidade e em bom mineirês no filme que chega hoje aos cinemas

crédito: espacial filmes/divulgação

“Gosto de gente não. Gosto é de boneco.” Em 2015, quando entrou para a UFMG, Igor Bastos quase enlouqueceu seus pais, o caminhoneiro Reynaldo e a professora Magda. Com nota para ingressar em Medicina, o primogênito do casal de Divinópolis havia decidido cursar Cinema de Animação e Artes Digitais na Escola de Belas Artes.

 


Formou-se em 2018. No mesmo ano que deixou a universidade, deu início ao projeto que chega nesta quinta-feira (3/10) ao público. “Placa-mãe” marca a estreia de Igor, de 29 anos, na direção. É o segundo longa-metragem de animação produzido em Minas Gerais (o primeiro do interior do Estado).

 


É uma estreia madura, que chega aos cinemas com fôlego. Com distribuição da O2, o filme será lançado nacionalmente hoje em 212 salas.

 


A protagonista de “Placa-mãe” é Nadi, uma androide, maior criação de Theon, cientista já idoso. Ela vive numa Divinópolis do futuro, trabalhando com a adoção de robôs. Nadi é também a única androide a ter cidadania no Brasil. Acaba descobrindo os irmãos David e Lina, crianças que vivem em um orfanato no meio de um lixão.

 


Como tem cidadania, Nadi pode adotar. Em sua jornada para se tornar mãe, ela se depara com dificuldades. Parte delas foi criada por um político inescrupuloso, Asafe, que atiça seus seguidores por meio das redes sociais para tentar impedir a adoção. Está portanto óbvio que “Placa-mãe” é uma história sobre o mundo de hoje: novas famílias, diferenças, tecnologia, divisões ideológicas.

 

Questionamentos

“Tem muita obra infantil que trata de coisa séria. Várias delas, que fizeram parte da minha formação, são questionadas. Hoje dizem que as crianças não podem sentir medo, então que os filmes não podem ter suspense. Me questionaram sobre o uso de algumas palavras, como cidadania. Se não entender, pergunta para o pai. Isto vai acrescentar para a criança”, diz Igor.

 

 


Nadi foi inspirada em Sophia, robô criada por uma empresa de Hong Kong. Em 2017, tornou-se pioneira ao receber a cidadania de um país. Não deixa de ser irônico que este país tenha sido a Arábia Saudita, que tem histórico de desrespeito aos direitos humanos.

 


“Placa-mãe” se comunica com o mundo falando de sua própria aldeia. O filme foi, inclusive, adotado em uma escola pública da Suécia depois de sua exibição no Stockholm Film Festival Junior.

 


A maior parte da equipe vem de Divinópolis – na dublagem dos personagens, o típico erre do Centro Oeste mineiro é acentuado. Há ainda dois momentos pontuais do filme, em que Nadi conta histórias para David e Lina. O longa é de animação digital, mas, para estas duas partes, Igor convidou artistas que trabalharam de maneira artesanal.

 


Na história do Golem (gigante de barro do folclore judaico), a animação, de Giuliana Danza, foi criada a partir de barro. “A Giuliana é uma das grandes animadoras de Minas, e ela já trabalha com o barro, que tem relação com o trabalho das mulheres do Vale do Jequitinhonha e também de outras regiões mineiras”, comenta Igor.

 


A outra história que as crianças ouvem é a do Boi Sabino (ou do Sabino, pois seu criador foi o sanfoneiro Sabino Pinto, que inventou boi para ser a figura de frente de seu bloco), que remete aos antigos carnavais de Divinópolis. O animador Jackson Abacatu foi responsável por esta parte. Os desenhos da animação foram feitos no papel, frame a frame.

 


A música é majoritariamente mineira. Duas canções emblemáticas de Milton Nascimento – “Bola de meia, bola de gude” (letra de Fernando Brant) e “Paula e Bebeto” (letra de Caetano Veloso) estão na trilha, com gravações feitas para o filme – a primeira por Luana Borges, cantora de Divinópolis, e a segunda pela gaúcha Andréa Cavalheiro.

 


Formado por conterrâneos de Igor, o trio Os Caxambus, autodenominado de “música mineira interestelar”, tem três canções no filme. A melhor delas é a de abertura, “Mineirês”, com versos como “Na roça não tem uai fái/Nóis conversa oiâno nuzóio/Mirâno azêstrela nucéu/Péraí ôncotô?”.

 


Igor sabe bem o momento em que a animação tomou sua vida. Garoto ainda, assistiu a “O Rei Leão” (1994) no extinto Cine Alhambra. Passou a consumir animação na TV “igual a toda criança nos anos 1990”. Com a internet, descobriu produções de vários países. Adolescente, tinha uma pasta com DVDs de animação, que trocava com os amigos em encontros semanais na Praça do Santuário, ponto central de Divinópolis.

 


Foi no centro de artes, localizado na mesma praça, que Igor descobriu que existia gente que vivia de animação. Mais de uma década atrás, a MUMIA (Mostra Udigrudi Mundial de Animação), realizou naquele espaço sua itinerância inicial em Divinópolis.

 


“Eu conheci o Sávio (Leite, animador, professor e fundador da mostra, cuja 22ª edição será em dezembro), a primeira pessoa que gostava do que eu gostava, animações de Jan Svankmaje (artista surrealista tcheco), produções europeias que ninguém assiste. Na época, eu tinha feito o curso técnico de Eletromecânica no Cefet. Foi ele que me convenceu a fazer cinema de animação. Disse que ia dar certo”, conta Igor. E deu. Sávio Leite, inclusive, é o produtor-executivo de “Placa-mãe”. 

 

“PLACA-MÃE”
(Brasil, 2023, 105min.). Direção: Igor Bastos. O filme estreia nesta quinta-feira (3/10) nos cines BH 10, às 13h40 e 16h10; Boulevard 1, às 14h10 (exceto terça); Cidade 3, às13h25 e 15h35; Contagem 7, às 13h30 e 16h; Del Rey 7, às 13h40 (exceto terça); Estação 6, às 13h30 e 15h45; Itaupower 1, às 13h45; Minas Shopping 5, às 13h50 (exceto terça); Minas Shopping 6, às 16h35 (exceto ter); Monte Carmo 1, às 14h e 16h10; UNA Belas Artes 1, às 14h50; Via 4, às 13h40 (quinta a domingo).