Repertório da cantora inclui composições de Egberto Gismonti, Tom Jobim, Chico Buarque, Milton Nascimento, entre outros      -  (crédito: Dani Gurgel/Divulgação)

Repertório da cantora inclui composições de Egberto Gismonti, Tom Jobim, Chico Buarque, Milton Nascimento, entre outros

crédito: Dani Gurgel/Divulgação

 

Mônica Salmaso tem marcado presença com assiduidade em Belo Horizonte. A cantora paulistana esteve na cidade em maio deste ano, pelo projeto “Uma voz, um instrumento”; retornou em junho, para participar da gravação do espetáculo “As cores do Clube da Esquina”; e agora chega com seu novo show, “Minha casa”, em única apresentação nesta sexta-feira (4/10), às 21h, no Sesc Palladium. Os ingressos já estão esgotados.

 


“Minha casa” estreou em setembro do ano passado, em São Paulo, mas hibernou por quase um ano até que ela conseguisse recursos para iniciar uma circulação nacional, a partir de agosto deste ano. O show em Belo Horizonte encerra o que Mônica considera uma primeira etapa da turnê. “Vou entrar com um pedido para seguir na estrada, porque tem muitos lugares ainda para fazer e porque está muito bonito”, diz. Em suas palavras, “Minha casa” resulta de um processo de transformação que ela tem atravessado desde a pandemia.

 


O repertório inclui músicas como “Saudações” (Egberto Gismonti / Paulo César Pinheiro), “Noite severina” (Lula Queiroga / Pedro Luís), “A violeira” (Tom Jobim / Chico Buarque), “Morro velho” (Milton Nascimento) e “Mortal loucura” (poema de Gregório de Matos musicado por José Miguel Wisnik). Algumas dessas canções já faziam parte do repertório de Mônica, outras, ela apresentou ao lado de parceiros convidados na série de encontros “Ô de casas”, realizada de modo virtual durante a pandemia.

 


Rede de afetos

Esses vídeos – foram 175 gravados e transmitidos em suas redes sociais – se inserem num contexto que foi um dos motores dessa transformação de que ela fala. “Vivi a pandemia fazendo esses vídeos, uma coisa que começou de forma despretensiosa, quase uma brincadeira, mas que ganhou uma proporção incrível, criou uma rede de afetos, algo que eu nunca imaginava que pudesse acontecer. Meu trabalho ganhou outra dimensão, inclusive, sem nenhum planejamento”, conta.

 


Ela recorda que, durante o período de aproximadamente dois anos e meio que ficou isolada com o marido, o flautista e saxofonista Teco Cardoso – que integra a banda que a acompanha junto com Tiago Costa (piano), Neymar Dias (viola caipira e baixo), Lulinha Alencar (acordeom), Ricardo Mosca (bateria) e Ari Colares (percussão) –, também aproveitou para ler muito, ouvir outras vozes, pessoas, causas. “Assuntos que me tocavam, que sempre estiveram por perto, mas sobre os quais eu nunca tinha parado para refletir”, comenta.

 

Monica Salmaso olha para o fato e sorri, com o braço esquerdo estendido

Mônica Salmaso inspirou seu novo show na série de lives realizada por ela durante a pandemia

Dani Gurgel/divulgação


Essa "oportunidade" trazida pela pandemia a fez rever sua vida pessoal. “Senti como um dever moral mesmo, rever tudo, porque foi um tempo muito difícil, mas que não tenho vontade de esquecer, quero guardar isso em mim da melhor maneira possível, porque foi transformador, mudei muito. Foi doído, foi apavorante, mas foi transformador, no que diz respeito ao meu trabalho e à minha vida”, destaca. Ela diz que outro evento que lhe apontou novos rumos foi a turnê “Que tal um samba?”, de Chico Buarque, na qual figurou como convidada.

 


Reencontro

“Falei isso para o Chico, que fazer uma turnê com ele seria uma coisa gigantesca, transformadora em qualquer situação e em qualquer ocasião, mas fizemos num momento em que as pessoas podiam voltar a aglomerar, como se diz, um momento de reencontro. A celebração de vida nesses shows era uma coisa de uma densidade inacreditável, da ordem do religioso. Isso foi muito tocante, foi mais uma coisa que me transformou demais”, diz.

 


Ela chama a atenção, ainda, para o fato de parte do “público imenso” de Chico tê-la conhecido. “Isso fez diferença na minha carreira, óbvio, porque ganhei uma visibilidade que eu não tinha”, ressalta. Mônica explica que o show “Minha casa” se sustenta a partir de três “assuntos” que se relacionam com esse período de autoavaliação profunda. O primeiro foi a possibilidade, durante a pandemia, de olhar para trás e ter a dimensão do que já tinha feito ao longo da carreira, com as parcerias que estabeleceu nesse percurso.

 


“O primeiro assunto, então, é minha relação com o ofício, com a música. O segundo tem a ver com minha identidade brasileira, de viver em um país que é mais que uma casa, é uma causa; um país que ainda não se fez, mas que pode se realizar pelo alcance que sua música tem. A terceira coisa é a urgência que precisamos ter em olhar para nossa casa, para o meio ambiente, para a necessidade de preservação. Os três assuntos têm a ver com pertencimento, à casa de dentro, à casa de fora e à casa comum, que todos habitamos”, diz.

 

Coração mineiro


Sobre a frequência com que tem se apresentado em Belo Horizonte, ela garante que sim, cantar na cidade tem um significado especial. “Muita gente acha que eu sou mineira, e eu entendo isso, porque uma boa parte do meu coração é mineiro mesmo, no jeito de fazer as coisas, de olhar”, diz, destacando que Minas tem uma relação muito particular com as artes, com a manufatura e com o tempo. Mônica afirma não conhecer outra cidade do país que tenha tantos grupos que duram ou duraram mais de 30 anos.

 


Ela cita, como exemplos, Uakti, Giramundo, Grupo Corpo e Grupo Galpão. “Isso diz muito do lugar, que tem uma relação diferente com o tempo das coisas. São Paulo tem uma velocidade que talvez não favoreça muito essa beleza que é o trabalho coletivo continuado. É nisso que me identifico com Belo Horizonte”, pontua, chamando também a atenção para uma geração de músicos que admira, como Davi Fonseca, Rafael Martini e Alexandre Andrés. “Estão fazendo uma história própria muito bonita, como o Clube da Esquina fez.”.

 


Ensinamentos de Chico

Mônica Salmaso diz que gostaria de retomar os shows de lançamento dos álbuns “Canto sedutor”, que gravou com Dori Caymmi, e “Milton”, com André Mehmari – ambos lançados no período pós-pandemia –, mas ressalva que a prioridade é mesmo viabilizar a continuidade da turnê “Minha casa”.

 

Uma curiosidade sobre este show é que ele foi construído de uma forma diferente de todos os outros que já fez na vida, conforme diz, e essa maneira diferente foi Chico Buarque quem “ensinou”, durante a turnê “Que tal um samba?”.

 

“Normalmente, quando eu concebia um show, as coisas iam acontecendo durante o processo, com os ensaios. Dessa vez, desenhei o roteiro antes de tudo. Aprendi isso vendo o Chico fazer. A diferença, nesse esquema, é que quando você vai trabalhar um arranjo, é em função do momento do show em que aquela música está. Isso muda tudo. Tem músicas que gravei anteriormente de um jeito e que, para o show, pediram um tratamento diferente, em função do lugar onde elas estão no roteiro. Foi um aprendizado quase técnico, e é muito mais legal.”


SHOW “MINHA CASA”
Nesta sexta-feira (4/10), às 21h, no Grande Teatro do Sesc Palladium (Rua Rio de Janeiro, 1.046, Centro). Ingressos esgotados.