Cineasta Ana Costa Ribeiro diz que as descobertas científicas do avô estão conectadas aos ciclos da vida -  (crédito: Reprodução)

Cineasta Ana Costa Ribeiro diz que as descobertas científicas do avô estão conectadas aos ciclos da vida

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A cineasta Ana Costa Ribeiro não chegou a conhecer o avô, o físico Joaquim da Costa Ribeiro. A única coisa que sabia dele é que foi o responsável pelo descobrimento, em 1944, do fenômeno chamado termodielétrico – processo pelo qual a mudança de estado físico de certos materiais, por si só, gera correntes elétricas. Com a morte do pai, Ana herdou os arquivos da família. Esse foi o estopim para a realização de seu primeiro longa, homônimo à descoberta do avô, que estreia nesta quinta-feira (10/10) em BH.

 

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Com sete curtas-metragens e cinco séries documentais no currículo, Ana, que também é artista visual e escritora, diz que trabalha com a memória. Todas as suas produções audiovisuais partiram de arquivos. Ela classifica “Termodielétrico” como documentário, mas pontua que ele não se restringe ao mero registro de fatos ou acontecimentos – o longa é atravessado pelo sonho, pela poesia e pela experimentação visual.

 

 

 


“Fui atrás da história do meu avô e cheguei ao arquivo dele no Museu de Astronomia do Rio de Janeiro. Encontrei mais de 800 documentos deste pesquisador. O material me revelou uma pessoa muito curiosa sobre a realidade, com textos sobre a natureza que tangem reflexões filosóficas. Fiquei pesquisando o fenômeno e com vontade de fazer um filme. A visão dele sobre o mundo talvez pudesse me ajudar a enxergar a realidade de outra forma e passar por aquele momento de perda”, diz.

 

 

O físico carioca Joaquim da Costa Ribeiro está no laboratório e olha para a câmera

O carioca Joaquim da Costa Ribeiro (1906-1960) está entre os nomes mais importantes da física no Brasil

LF Editorial/Eduepb/reprodução

 

 

Joaquim Ribeiro é físico mundialmente conhecido, mas ignorado por quem não é da área, observa a cineasta. Ela diz que a descoberta do avô se deu a partir da cera extraída da carnaúba, uma espécie de palmeira do semiárido nordestino. “Na mudança de estados físicos, surgem espontaneamente correntes elétricas, e ele entendeu que isso tinha algo a nos ensinar sobre as passagens da vida, as mudanças de um ciclo para o outro”, explica.

 

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A partir dessa premissa, “Termodielétrico”, narrado em primeira pessoa, tece analogias entre ciência, vida e arte. “É um filme que fala de uma história familiar, de afeto, e expande para uma reflexão mais ampla. Trabalho com memória, mas faço filmes pessoais, então é uma fricção entre as duas coisas”, destaca. Para realizar o longa, Ana visitou plantações de carnaúba, jazidas minerais e laboratórios, mesclando material de arquivo com paisagens atuais.

 

 

 

Nas palavras da diretora, o filme transcende a mera biografia do cientista. “Me considero documentarista, então é um documentário, mas com uma escrita criativa. O filme estabelece relações poéticas com a história da ciência e da política, já que essa descoberta de meu avô se deu aproximadamente em torno da Segunda Guerra Mundial. Gosto de documentários inventivos que fabulam a partir da realidade, que também é constituída de sonhos e de imaginação”, ressalta.

 

 

 

 

Durante muito tempo, Ana Costa Ribeiro viveu, como cineasta, o conflito entre a experimentação e a narrativa. Com “Termodielétrico”, diz ter descoberto que é possível trabalhar nesses dois campos ao mesmo tempo.

 

“Em geral, os filmes da tradição do cinema experimental não são narrativos. Com esse trabalho, consegui fazer uma narrativa experimental. É um filme de pesquisa de linguagem, só que ele conta uma história, embora estabeleça essas relações poéticas”, diz.

 

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Ana considera que o longa tem um lado didático, “no bom sentido”, pois o espectador sai da sessão entendendo o que é o fenômeno e também um pouco do que é a ciência no Brasil e no mundo, bem como sobre um certo cenário político. Ela parte do contexto da Segunda Guerra Mundial, falando de física nuclear e da bomba atômica, para chegar aos dias atuais. A diretora destaca que a feitura do filme atravessou uma pandemia em meio a um governo negacionista no Brasil.

 


“O termodielétrico foi descoberto num laboratório no Brasil. Meu avô ganhou o Prêmio Einstein por essa descoberta em um laboratório de poucos recursos. Ele foi um grande incentivador da pesquisa no país e um dos fundadores do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico). Mesmo que no início eu não tenha pensado objetivamente nisso, é um filme que foi tomando, sim, a instância política. Por meio da ciência, ele conjuga esses dois aspectos, da poética e da política”, conclui a cineasta.


Cientista premiado

 

O carioca Joaquim da Costa Ribeiro se formou em engenharia pela Universidade do Brasil, atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 1928. Trabalhou no Instituto Nacional de Pesquisa. Estudou novas maneiras de medir a radioatividade de materiais, em especial nos minerais brasileiros. Seu principal foco era a produção de eletretos (sólidos que possuem eletricidade por natureza).

 

Por sua contribuição, o cientista recebeu diversas honrarias, como o Prêmio Einstein, da Academia Brasileira de Ciências, em 1953. Ele foi o primeiro delegado do Brasil junto ao Comitê Consultivo das Nações Unidas para aplicações pacíficas de energia nuclear; foi um dos fundadores do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); e inspirou o Prêmio Joaquim da Costa Ribeiro, da Sociedade Brasileira de Física, por suas diversas contribuições à ciência.

 

“TERMODIELÉTRICO”


Brasil, 2023, 72 min., de Ana Costa Ribeiro. Estreia nesta quinta-feira (10/10), na sala 2 do Una Cine Belas Artes. Sessões às 14h.