Adrian Younge recebeu na gravadora Jazz is Dead, em Los Angeles, várias gerações de músicos brasileiros, de João Donato a Céu -  (crédito: Jazz is Dead/divulgação)

Adrian Younge recebeu na gravadora Jazz is Dead, em Los Angeles, várias gerações de músicos brasileiros, de João Donato a Céu

crédito: Jazz is Dead/divulgação

 

 

“Um monte de brasileiros não olha para sua própria história. De vez em quando, é preciso um gringo falar: ‘Vejam as pessoas incríveis que vocês têm’”.

 


Antes que alguém diga “quem é esse cara para falar assim da gente?”, é bom que se explique: o compositor, produtor e multi-instrumentista Adrian Younge, 46 anos, de Los Angeles, fala com propriedade – tem lugar de fala, como prega a atual cartilha.

 

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João Donato, Marcos Valle, Azymuth, Joyce Moreno, Hyldon, Antônio Carlos e Jocafi, Carlos Dafé, todos esses grandes músicos brasileiros foram gravados por Younge. E a conversa com ele é direta: há dois anos se dedica a aulas semanais de português.

 

 

Younge, ao lado de Ali Shaheed Muhammad, DJ, produtor e músico integrante do grupo A Tribe Called Quest, é um dos nomes por trás do Jazz is Dead. O selo e gravadora de Los Angeles, por meio de gravações analógicas, tem lançado novos discos de mestres da música, muitos deles sampleados pelas novas gerações.

 

Não só a brasileira, diga-se. Morto em 2020, o baterista nigeriano Tony Allen, que com Fela Kuti criou o afrobeat, teve um álbum lançado pelo selo.

 

 


O mais recente lançamento, já disponível nas plataformas, é a coletânea “Jazz is Dead 021 (Série 3)”, que reúne os brasileiros Hyldon, Dom Salvador, Antonio Carlos e Jocafi, Carlos Dafé, Joyce e Tutty Moreno, além de Ebo Taylor, um dos pioneiros do afrobeat de Gana.

 


A coletânea ainda traz uma faixa do The Midnight Hour, grupo que Younge e Muhammad fundaram em 2016. O lançamento é a prévia dos álbuns que o Jazz is Dead vai lançar de cada um desses artistas ao longo de 2025.

 

 

 


A fala de gringo (é ele quem usa a expressão) de Younge é de pura admiração. Esse americano veio ao Brasil pela primeira vez em 2019 para show com o The Midnight Hour. Na época, já era apaixonado pelo país. Não se lembra exatamente quando, mas conheceu a música brasileira por meio de Marcos Valle, Arthur Verocai e Astrud Gilberto.

 


“Viajo o mundo comprando discos de vários lugares. Mas nunca havia me apaixonado por um lugar de tal maneira como o Brasil”, ele conta.

 


A explicação vai longe. “Existe um híbrido das coisas que gosto que vêm dos Estados Unidos e do Brasil. E muito disso vem da África. Mas há uma sintonia única no Brasil entre o jazz, o funk e os ritmos que acaba se espalhando em outros estilos. Muito disso é do samba, cuja base é africana. Mas sabe qual é a grande diferença entre Brasil e EUA? Os povos escravizados tiveram permissão de levar seus tambores para o Brasil. Meus ancestrais não puderam trazer seus tambores para os EUA, então a música foi para outro caminho.”

 


Neste século, continua Younge, tudo acabou se unindo: jazz, samba funk, samba jazz. “Este encontro aconteceu de forma muito especial, e nós nos colocamos como embaixadores para tentar contar essa história para o mundo.”

 

Turnês e gravações

 

O que Younge e Muhammad fazem, basicamente, é promover turnês dos artistas nos EUA. Uma vez em Los Angeles, os levam para o estúdio de Younge (onde Céu gravou seu novo álbum, “Novela”).

 


Na entrevista por videoconferência, o produtor faz questão de mostrar o estúdio. “As pessoas se sentem confortáveis, porque criei um mundo aqui. Tudo o que tenho (equipamentos analógicos) vem de uma época muito particular, 1968 a 1973. Para muita gente, esse foi a auge. Então, podem ser eles mesmos, pois tudo está exatamente como era no século passado.”

 

"Novela", álbum de Céu, foi gravado no primeiro take nos estúdios do Jazz is Dead

 


Younge diz que viveu momentos incríveis nas gravações, realizadas com todo mundo tocando ao vivo, olho no olho. Como toca vários instrumentos, ele participa de algumas gravações. É também o engenheiro, o produtor e quem mixa os álbuns.

 


“É muito especial, porque muitas dessas pessoas não se sentem reconhecidas em seu próprio país”, afirma. Os álbuns do Jazz is Dead são feitos para o público americano. Mas uma coisa tem ocorrido com eles. “Há um monte de jovens brasileiros que agora estão ouvindo o que os pais ouviam. Ou seja, também estamos criando algo para jovens fãs, o que é surpreendente.”

 

 


Sobre o não reconhecimento, Younge continua falando com propriedade. “O Hyldon, por exemplo. Todo mundo conhece as canções dele, mas não entende quão grande ele ainda é. Tem muita gente que nem sabe quem é Carlos Dafé, que tem uma voz linda e única. Joyce é uma compositora incrível, e poucos sabem disso.”

 


Em seus estudos, Younge foi até o Movimento Black no Rio e São Paulo. “Vi como aqueles artistas, Cassiano e Tim Maia entre eles, foram inspirados, fluentes no som da Motown. Só que estavam fazendo suas próprias versões daquilo.”

 


Younge mistura o som brasileiro e a produção americana para “criar algo que poderia ter sido hit nos anos 1970, mas com potencial para ser o mesmo nos dias de hoje.”

 

O choro de Jocafi

 

Ele se lembra das sessões de gravação com Antônio Carlos e Jocafi. “Jocafi estava bem atrás de mim no estúdio, chorando de alegria.” Hyldon fez os primeiros shows em Los Angeles quando gravou com ele.
Morto em 2023, Ivan Conti, o Mamão, baterista do Azymuth, realizou no álbum de Hyldon uma de suas últimas gravações.

 

 


“Fiz um álbum com João Donato, ele não está mais aqui. Fiz um com Mamão, outro com Tony Allen. Eles não estão mais aqui. Essas coisas (a morte) acontecem regularmente, o que é assustador. Por outro lado, isso alimenta nossa paixão em continuar criando com essas lendas, pois estamos capturando a história”, conclui Younge. 

 

Capa de coletânea lançada nos EUA tem fotos de músicos brasileiros

Coletânea divulga o talento brasileiro nos EUA

Jazz is Dead/reprodução

 

“JAZZ IS DEAD 021 (SÉRIE 3)”


. Coletânea do selo Jazz is Dead
. Oito faixas
. Disponível nas plataformas digitais