As Edições Sesc e a Editora Nós se juntaram para lançar a coleção “Pop filosofia”, com curadoria da filósofa Marcia Tiburi. O intuito da série é reposicionar esse campo do conhecimento em um lugar mais acessível para as pessoas, menos encastelado e livre de academicismos. Dois livros inauguram a série: “Falsolatria”, de Jean Wyllys, e o que dá nome à coleção, da própria Marcia.
A iniciativa se insere numa corrente que tem buscado popularizar os conceitos e a própria ideia de filosofia. A coluna “Filosofia explicadinha”, assinada por Renato de Faria no Estado de Minas, e o livro “Filosofia ao pé do ouvido: felicidade, ética, amizade e outros temas”, de Clóvis de Barros Filho e Ilan Brenman, recentemente lançado pela editora Papirus, são dois exemplos que convergem nesse sentido.
A inspiração para a coleção partiu de duas séries gravadas por Marcia, em 2014 e 2018, que tinham o título “Filosofia pop”. Ela conversava com intelectuais, escritores e professores do campo das ciências humanas. “As séries circularam pelas TVs do Brasil, estão na internet e são muito procuradas, com grande audiência”, diz.
Ao receber o convite para a curadoria da coleção, Marcia começou a pensar em nomes que pudessem contribuir com temas diversos dentro do espectro proposto. Um deles foi Jean Wyllys, que trabalha em tese de doutorado sobre a desinformação no campo da política.
“Essa ideia não é uma invenção de agora. Nos anos 1970, Gilles Deleuze (filósofo francês) já falava disso, uma maneira de pensar e refletir sobre a realidade que não se restringisse ao ensino da história da filosofia europeia. Ele apostava nos fluxos do pensamento reflexivo, a partir da noção de rizoma. O conhecimento não está ancorado apenas na história; é um acontecimento da própria linguagem. Hoje, existe carência de pensamento reflexivo e Deleuze falava dessa aventura necessária do pensar”, explica Marcia.
A escritora diz que as instituições que controlam os meios de produção de linguagem tentam interromper o pensamento reflexivo, que é, por natureza, livre, capaz de gerar impulsos questionadores. “As pessoas pensam que filosofia é um conteúdo, mas ela diz sobre uma forma, uma maneira de fazer. Então, é algo que nasce na base do diálogo, não é a construção pura e simples de um acordo”, destaca.
A coleção “Pop filosofia” quer levar às últimas consequências os impulsos questionadores, no sentido de não se temer a verdade.
“É preciso aprender a perguntar. A participação de cada um no pensamento filosófico depende do encontro com o outro, do encontro de questionamentos. Trata-se de uma experiência de coragem diante da verdade, como um horizonte que se busca para que possamos sustentar parâmetros éticos”, explica Marcia Tiburi.
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Outros três títulos da coleção estão previstos para o início de 2025. Em um deles, o professor Charles Feitosa parte da alegoria da caverna, de Platão, para discutir como ela vem se renovando. “Outro, do Gaudêncio Fidélis (curador e historiador de arte), é sobre o 'Ocularcentrismo', a mania de centralizar o conhecimento no olhar, desprezando outros sentidos. O terceiro, da Jaqueline Gomes de Jesus (psicóloga), chamado 'Transpopfilosofia', pensa a filosofia pop ligada à questão trans”, detalha.
O livro de Jean Wyllys, de acordo com Marcia Tiburi, aborda “o culto à mentira, à falsidade e à enganação que está em alta na sociedade contemporânea nestes tempos de pós-verdade”.
Tese de doutorado
O autor, que cumpriu mandato como deputado federal pelo Rio de Janeiro, afirma que “Falsolatria” reúne algumas ideias de sua tese de doutorado em direito e ciência política – que será defendida em breve na Universidade de Barcelona – despidas do jargão acadêmico, de forma a comunicar com um público mais amplo.
“O termo 'falsolatria' é um neologismo que junta o significante e o significado de falso e de idolatria para falar deste momento de culto à mentira”, explica Wyllys.
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A obra não é apenas sobre o cenário brasileiro, a despeito de tê-lo como mote importante. “A política sempre foi assombrada pela mentira, que, afinal, é algo humano”, diz o autor, aludindo às mentiras que são “inocentes”, como o autoengano, e àquelas que prejudicam a coletividade e são o tema de sua obra.
“O livro faz uma espécie de genealogia da mentira. Existem épocas na história da humanidade do Ocidente em que a 'falsolatria' se torna mais grave, como na virada do século 19 ou na década de 1930 do século passado, com a ascensão do fascismo. Estamos vivendo agora momento parecido, uma rima histórica – a história não se repete, mas rima –, em que esta questão volta a ser problemática, a mentira politicamente organizada para favorecer determinados grupos, partidos e classes sociais”, ressalta Jean Wyllys.
“POP FILOSOFIA”
. De Marcia Tiburi
. Edições Sesc/Editora Nós
. 80 páginas
. R$ 50
“FALSOLATRIA”
. De Jean Wyllys
. Edições Sesc/Editora Nós
. 56 páginas
. R$ 50