A roteirista Harper Steele e o comediante Will Ferrell selaram novo pacto de amizade enquanto viajavam pelo interior dos Estados Unidos. Documentário "Will & Harper" é atração da Netflix -  (crédito: Netflix/divulgação)

A roteirista Harper Steele e o comediante Will Ferrell selaram novo pacto de amizade enquanto viajavam pelo interior dos Estados Unidos. Documentário "Will & Harper" é atração da Netflix

crédito: Netflix/divulgação

 

 


Esta é uma resenha para ser lida com trilha sonora. Tem várias opções. Os mais românticos podem ler ao som de “What the world needs now”, do Burt Bacharach, na voz de Dionne Warwick. Os festeiros podem dar play em “You're my best friend”, do Queen. Pessoal da geração alpha que quiser optar por “It's nice to have a friend”, da Taylor Swift, que vá em frente.

 

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De Roberto Carlos aos Beatles, de Justin Bieber a Milton Nascimento, passando pelo rapper – agora em desgraça – P. Diddy, que estourou com “I'll be missing you”, muitos artistas cantaram sobre a amizade.

 

 


Mas não é todo mundo que faz o que o comediante Will Ferrell, de 57 anos, fez neste documentário singelo e inesquecível. A premissa de “Will & Harper” é tão simples, e o resultado tão emocionante, que até parece jogada de marketing. Mas não, é amizade mesmo. Amizade com um comediante rico e famoso, verdade, mas também generoso, genial e disposto a aceitar as pessoas como elas são.

 

Depois de 30 anos de amizade e parceria profissional, Ferrell descobre, por e-mail, que um grande amigo, ex-roteirista do “Saturday night live”, então conhecido como Andrew Steele (o “nome morto” é mencionado várias vezes), está se assumindo como uma mulher trans, Harper.

 

 


Ferrell, chocado, se pergunta como isso vai afetar a amizade deles. “Quais são as regras?”, ele questiona, retoricamente. Então, decide fazer as perguntas todas pessoalmente, em uma viagem de carro pelos Estados Unidos, na qual os dois amigos terão tempo e oportunidade de entender como tudo vai ficar dali para a frente. Tanto entre os dois como para Harper e o resto do mundo, certamente menos aberto a essa transformação que um comediante de Hollywood.

 

 

 


Logo de cara fica evidente que Ferrell não embarcou nessa história para fazer piada com a amiga, que ainda se entende com o novo guarda-roupa, os sapatos de salto e a maneira de se portar em público. Não que ele não faça piada nenhuma, mas ri com ela, não dela. Afinal, Harper também é comediante e roteirista.


 

Também não espere celebridade boazinha. Essa é uma história íntima de aceitação, que vai fazer você pensar nas suas próprias amizades. Alguém faria isso por você? Você faria isso por alguém?

 


Ferrell acompanha Harper pela primeira vez em um encontro com sua única irmã, mas também a um jogo de basquete, um bar de beira de estrada, um supermercado de uma cidade pequena e a diversos lugares que ela frequentava antes de se assumir como mulher.

 


Will Ferrell e ela começaram a trabalhar no “SNL” na década de 1990, e ambos não foram sucessos imediatos. Ferrell era considerado careta demais, e foi justamente Harper quem entendeu melhor seu estilo. Foi ela quem escreveu as esquetes que revelaram o talento absurdista dele. Foi também quem o convenceu a fazer algumas grandes bobagens, como um filme-paródia de novela mexicana, toda em espanhol, “Casa de mi padre”, com Gael Garcia Bernal e Diego Luna.

 

Will Ferrell e Harper Steele durante jogo de basquete nos Estados Unidos

Will Ferrell e Harper Steele durante jogo de basquete nos Estados Unidos

Netflix/divulgação

 


Desde o reencontro em Nova York para seguir o trajeto com o carro de Harper, um daqueles modelos vintages com a faixa que imita madeira na lateral, a dupla alterna momentos de relaxamento total – aquela sensação fácil de estar entre amigos com quem você pode fazer piadas politicamente incorretas ou só não falar nada por um tempo – e outros de mais ansiedade diante do futuro daquela amizade.

 


“Não tenho dúvidas de que Will é meu amigo, mas eu não sou mais Andrew Steele”, diz Harper. Como fica a amizade quando uma das pessoas muda de gênero, ou melhor, revela que vivia uma versão de si mesma com a qual não se identificava? De quem, afinal, se era amigo?

 


O documentário tem partes leves e descontraídas, como quando os dois visitam o prédio onde gravavam o “SNL”. Mas conforme o cenário da viagem muda para o interior do país, a zona de conforto vai ficando cada vez mais distante, e Ferrell e Harper têm conversas complexas e desafiadoras.

 


Desespero e suicídio

 

Harper revela o ódio que sentia por si mesma, pensamentos suicidas e o completo desespero nos anos antes de se tornar sua verdadeira identidade. E é aqui que Ferrell brilha, como amigo leal, curioso e com aquele talento que falta a tanta gente hoje, de quem sabe a hora de simplesmente ver e ouvir com atenção e coração aberto quem está do lado.

 


Esse, talvez, seja o melhor investimento que uma pessoa pode fazer na vida. Prestar atenção, abrir os olhos, os ouvidos, a agenda, e, por que não, a carteira, para conhecer profundamente as pessoas que nos importam. Do que mais o mundo precisa?


“WILL & HARPER”


Documentário dirigido por Josh Greenbaum, com Will Ferrell e Harper Steele. Disponível na Netflix