Novo trabalho da cantora portuguesa Carminho, expoente do fado contemporâneo, o EP “Carminho at Electrical Audio” é, em grande medida, fruto do acaso. O registro, que acaba de chegar às plataformas, traz quatro músicas. Uma delas é “Os argonautas”, que Caetano Veloso lançou em seu álbum de 1969. Ele faz uma participação especial na gravação de Carminho.
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Em 2016, Carminho recebeu um convite da família Jobim para gravar “Carminho canta Tom Jobim”, com a banda que acompanhou o maestro nos seus últimos 10 anos de vida. Naquele trabalho, a cantora substituiu, nas letras, os “você” por “tu”, o que gerou um intenso debate entre ela e Caetano sobre a língua portuguesa no Brasil e em Portugal. Essa conversa entre os artistas, que se conhecem e são amigos há mais de 10 anos, inspirou a música “Você-você”, que ele gravou no álbum “Meu coco” (2021).
Carminho participou da gravação e, quando Caetano passou com a turnê de lançamento do disco por Portugal, no ano passado, convidou-a para dividir os vocais também no palco. Ela diz que acabou participando de todos os shows de “Meu coco” em Portugal e, logo ao final do primeiro, comentou com o anfitrião que seria “cruel” compartilhar o palco com ele em apenas uma canção. Caetano, então, perguntou que outra música ela gostaria de cantar.
“Foi tudo muito espontâneo, ele abriu esse espaço e eu sugeri 'Os argonautas', que é uma canção lindíssima, com uma enorme carga poética e uma musicalidade que estabelece uma ligação muito forte com Portugal, com a citação a Fernando Pessoa na letra. Senti que poderia interpretá-la. Foi uma oportunidade muito afortunada poder fazer essa canção com Caetano no show dele”, diz Carminho.
Ela conta que sugeriu a adição de uma guitarra portuguesa no arranjo e que o resultado agradou a todos. “A canção 'Você-você' tinha a participação do Hamilton de Holanda trazendo, no bandolim, o perfume da guitarra portuguesa. Um dia, no camarim, estávamos conversando e Paula Lavigne (esposa e produtora de Caetano) falou que eu tinha que gravar 'Os argonautas' com aquele arranjo. Fiquei com essa vontade”, diz.
Alguns meses depois, em turnê pelos Estados Unidos, Carminho foi fazer um show em Chicago e aproveitou para conhecer o Electrical Audio, estúdio do lendário produtor Steve Albini (1962-2024), que trabalhou com Nirvana, Pixies e PJ Harvey, entre outros. A cantora diz que combinou com ele uma sessão de um dia, experimental, apenas com o intuito de ser uma prática de estúdio, para conhecer seu método de trabalho.
“Albini é uma lenda da gravação, mas eu não tinha grandes expectativas. Todo mundo sabe que apenas um dia de estúdio pode não dar em nada. As canções que vou compondo, gosto de testar no estúdio, é um lugar de prática, de experimentar ideias, de criatividade. Eu tinha algumas músicas na pasta e quis trabalhar com elas”, afirma, aludindo às três autorais que compõem o recém-lançado EP: “Deixei a casa”, “Não olhes nos meus olhos” e “Gota de água” (esta última em parceria com António Gedeão).
Enquanto estava com Albini, Carminho se lembrou de “Os argonautas” e quis gravá-la também. “Foi um estalo, me bateu o perfume da memória da turnê com Caetano”, conta. Carminho destaca a praticidade e a objetividade do produtor. Ela entrou no estúdio sem esperar nada e saiu com quatro canções terminadas.
“A magia musical de Steve permeia este EP. Ele soube captar a intimidade e o nosso momento no estúdio, como se estivéssemos cantando numa casa de fados. Houve uma forte empatia entre nós. Ele compreendeu a musicalidade do fado, mesmo sem nunca ter gravado algo do gênero. Soube capturar os timbres e a sonoridade de cada instrumento. Isso gerou uma dinâmica muito boa entre nós”, afirma.
A participação de Caetano se deu posteriormente. O baiano fez o registro de sua voz em São Paulo, enviou o material, e a cantora levou para o Electrical Audio, para que Taylor Hales, braço-direito do produtor, morto em maio passado, convertesse para o processo analógico e fizesse a mixagem.
“É uma pessoa muito espontânea e autêntica, com heterogêneos gostos e opiniões, no que se parece comigo, porque também sou uma pessoa muito aberta. Caetano é, para mim, o artista mais completo, que conjuga performance, composição e uma inteligência que o permite ir da coisa mais simples até a mais intrincada, com capacidade de trabalhar o tempo, munir-se do passado, entender o presente e projetar o futuro”, diz.
Relação com o Brasil
Carminho veio ao Brasil pela primeira vez em 2003, aos 19 anos, de navio. Em quase duas décadas de carreira, lançou seis álbuns de estúdio e gravou ao lado de nomes como Chico Buarque, Marisa Monte e Milton Nascimento.
Em 2013, quando conheceu Caetano, participou do Prêmio da Música Brasileira, que naquele ano homenageou Tom Jobim. Sua interpretação de “Sabiá” ensejou o convite para gravar o álbum em tributo ao maestro. No disco “Portuguesa” (2023), incluiu a música “Levo o meu barco no mar”, que assina em parceria com Marcelo Camelo.
“CARMINHO AT ELECTRICAL AUDIO”
• Sony Music (Quatro faixas)
• Disponível nas plataformas de streaming