Um bobo da corte escatológico e trágico que fascina tanto quanto é temido, o louco que diverte, denuncia e inverte os valores: esse é o tema de uma enorme exposição em cartaz no Museu do Louvre, em Paris.
Intitulada "Figures du fou, du Moyen-Age aux Romantique" ("Figuras da loucura, da Idade Média aos Românticos"), ela não apresenta a loucura como doença mental, mas se pergunta sobre a onipresença dessa figura na arte e na cultura ocidental.
A retrospectiva vai até o século 19, com Coubert, pintor e escultor francês, que liderou o movimento realista, "abrindo as portas para as questões contemporâneas, bem como sobre o artista", diz Laurence Des Cars, diretora do museu.
Mais de 300 manuscritos iluminados, livros impressos, objetos preciosos, tapeçarias, pinturas e esculturas, emprestadas por 90 instituições francesas, europeias e americanas estão expostas.
Entre elas: obras-primas do pintor Jérôme Bosch, incluindo "La nef des fous", outras de Pieter Bruegel, o Jovem e de Pieter Bruegel, o Velho, bem como esculturas de bronze vindas da Alemanha, gravuras e baús em marfim inspirados em romance de cavalaria e amor cortês.
O louco é aquele que diverte, adverte ou inverte a ordem estabelecida. Ele é reconhecível por seu boné com orelhas de burro e sua crista de galo, pelos trapos e roupas desarrumadas que usa. Ele também é reconhecível pelos sinos presos às suas pernas, que tocam quando ele se move.
Seja qual for a arte, ele se impõe desde o início como uma figura social, um pária que rejeitou Deus e foi maltratado, mas que também inspirou São Francisco de Assis – que rompe com seu meio burguês para viver na pobreza material – e com quem os poderosos se cercavam.
"Profano e sagrado se misturam sem parar. Estamos brincando com a ideia de reversão e com o espelho que nos é mostrado pelo louco, que nos faz perguntar sobre o outro e sobre nós mesmos", afirma Élisabeth Antoine-König, curadora da exposição ao lado de Pierre-Yves Le Pogam.
Os visitantes são primeiramente apresentados ao mundo das margens: "os dos manuscritos, onde, na segunda metade do século 13, se multiplicam as criaturas estranhas, híbridas, grotescas – conhecidas sob o nome de marginália – ao lado de textos sagrados ou profanos", explica a curadora.
No século 13, o louco é de maneira indissociável ligado ao amor e simboliza a luxúria. Às vezes como ator, tanto como comentarista, ele alertava àqueles que se entregavam à devassidão e estavam à beira da morte, como evoca uma série de "danças da morte" desenhadas e pintadas.
"A partir da metade do século 14, o bobo da corte, antítese da sabedoria real, se institucionaliza. Suas palavras irônicas ou críticas eram aceitas", comenta a especialista.
Tarô
Esse louco subversivo se torna um personagem dos jogos: uma peça de xadrez, ele também é uma das cartas do tarô, que surgiu na Europa do século 15 e cujas primeiras cartas conhecidas estão expostas na exposição.
O percurso da exposição evoca sua onipresença nas festividades urbanas, especialmente no carnaval, onde ele encarna os ritos de derrubada da ordem. De Bosch a Bruegel, ele triunfou durante o Renascimento, como a figura que denunciava a loucura da humanidade.
Nos séculos 17 e 18, suas representações desapareceram gradualmente com o domínio da razão e do Iluminismo. Ele sobreviveu em figuras como Dom Quixote.
A exposição termina com uma evocação do confinamento dos doentes mentais na primeira metade do século 19, com uma pintura de Goya, “L’enclos des fous”, denunciando a violência transformada em espetáculo.
As gárgulas de Notre-Dame de Paris também são exibidas no final do percurso, enquanto um filme mudo homenageia a figura de Quasímodo, imortalizada pelo escritor Victor Hugo.