Arthur Verocai está em recuperação dos ferimentos provocados por um tombo no 
palco em que ensaiava para o Coala Festival, em São Paulo, no mês passado -  (crédito: sebastião azambuja/divulgação)

Arthur Verocai está em recuperação dos ferimentos provocados por um tombo no palco em que ensaiava para o Coala Festival, em São Paulo, no mês passado

crédito: sebastião azambuja/divulgação

 

 

O maestro, compositor, arranjador e instrumentista Arthur Verocai tem um percurso fonográfico peculiar. Seu primeiro álbum, lançado em 1972, passou anos na obscuridade, até ser “descoberto” por artistas da cena hip hop norte-americana e virar objeto de culto. Com o fiasco da estreia, ele só voltaria a gravar 30 anos depois, em 2002. Fora de catálogo, o trabalho, intitulado “Saudade demais”, esperou outros 22 anos para chegar às plataformas digitais.

 

 


Verocai conta que já vinha conversando com o selo Nikita Records há bastante tempo sobre o relançamento de seu segundo álbum, mas seu ritmo de trabalho nos últimos anos e certa indolência de sua parte postergaram a chegada de “Saudade demais” às plataformas. “Sou preguiçoso para essas coisas burocráticas. Sou artista, meu negócio é fazer música, compor, tocar, arranjar. A conversa com a Nikita vem de anos, mas eu enrolava, não mandava nada para eles”, diz.

 

 

 


O tempo para que pudesse cuidar desse relançamento veio forçosamente, na esteira de um episódio que beirou o trágico. No mês passado, o músico nascido em 1945, no Rio de Janeiro, estava em São Paulo, para participar do Coala Festival. Em uma passagem de som, caiu do palco, que estava escuro, e ficou gravemente ferido. “Me estrepei todo, quebrei perna, braço, torci o tornozelo, tive que passar por duas cirurgias. Tive fratura exposta na tíbia, estou com 14 pinos na canela”, conta.

 

Duplo retorno

 

O acidente o obrigou a ficar “de molho”. Somente agora ele tirou a tipoia e acredita que ainda vá ficar mais um mês de repouso antes de poder retomar as atividades. Era, contudo, o tempo que o relançamento de “Saudade demais” precisava para acontecer. O lugar que o álbum ocupa em sua trajetória é de duplo retorno, conforme diz.

 

 

 


Entre a segunda metade dos anos 1960 e o início da década de 1970, Verocai já trabalhava com nomes como Paulinho Tapajós, Ivan Lins, O Terço e Jorge Ben, para quem escreveu os arranjos do disco “Negro é lindo” (1971). O fracasso de seu disco de estreia, entretanto, o desestimulou e fez com que saísse um pouco de cena. Nos anos 1990, estava trabalhando principalmente com trilhas para publicidade, mas sentiu o desejo de voltar a gravar – esse foi o primeiro retorno que “Saudade demais” representou.

 

 


O segundo diz respeito à própria sonoridade do trabalho. “Minha raiz na música é a Bossa Nova, e com 'Saudade demais' eu voltei para esse lugar”, afirma. Ele acredita que o álbum de estreia não foi absorvido num primeiro momento por apresentar um caldeirão de referências à frente de seu tempo, com soul, pop, jazz, country e a música do Clube da Esquina, que o cativou a partir do encontro com Milton Nascimento e Toninho Horta no Festival Internacional da Canção de 1967.


“Na época eu estava efervescendo em termos musicais. Tinha sido maestro da TV Globo e trabalhava com a Célia, cantora paulista que era a estrela da Continental e me convidou para fazer aquele disco. Eu tinha influência de muitas coisas, era muito aberto, e como a Célia tinha prestígio na gravadora, dispus de uma estrutura grande, uma orquestra com sopros, cordas, então gravei com muita liberdade, mas o disco não teve divulgação, a gravadora botou na loja e esqueceu”, recorda.

 

Bossa independente

 

Passados 30 anos, quando quis gravar um novo disco, a Bossa Nova estava em alta no Japão. Verocai resolveu gravar “Saudade demais” dentro desse filão, de forma independente, em seu próprio estúdio, contando com a colaboração de amigos músicos – um time da pesada, diga-se. “Era um trabalho mais artesanal, mas que tinha o Raul de Souza, Robertinho Silva, Cristóvão Bastos, Márcio Montarroyos, Robertinho Silva, o próprio Toninho Horta, entre outros”, cita.

 


Várias cópias do trabalho foram enviadas para o Japão e Verocai chegou a fazer, no um show de lançamento no Mistura Fina, no Rio de Janeiro, com direito a canja de Ivan Lins. Como era uma produção independente, contudo, “Saudade demais” nunca chegou a ser reeditado. “Não gastei quase nada, só para prensar, porque foi tudo feito no meu estúdio e os músicos eram todos meus amigos, todo mundo deu força”, diz.

 

 

 


Fazer aquele segundo trabalho foi uma necessidade. “Eu tinha muitas músicas guardadas e estava bem ligado em Bossa Nova e em jazz, e como tinha aquela história de o Japão ser um mercado receptivo, achei que era o caso”, comenta. “Saudade demais” abarca um período grande de sua criação – a faixa título, por exemplo, foi uma das concorrentes do Festival da Canção de 1967, no páreo ao lado de três composições de Milton: “Travessia”, “Morro velho” e “Maria, minha fé”.

 

 


Ele diz com orgulho que, desde aquela época, a música já era apreciada por seus pares, o que também serviu de estímulo para a gravação do disco. “O próprio Milton gostava muito, Toninho também, tanto que gravou no disco comigo, fazendo dois violões de base, além de ter incluído no repertório dos shows dele durante anos. Somos muito amigos, ele sempre ficava lá em casa quando ia para o Rio de Janeiro”, diz, chamando a atenção para o fato de que sua família é mineira – o pai de Juiz de Fora e a mãe, de Além Paraíba. 

 

Discografia

 

Arthur Verocai conta que, a partir da “redescoberta” de seu álbum de estreia pela turma do hip hop nos Estados Unidos, sua agenda de trabalho se intensificou bastante, com encomendas de arranjos e trilhas para filmes vindas dos quatro cantos do mundo. Sua produção autoral, contudo, seguiu um tanto bissexta. Depois de “Saudade demais”, ele lançou, em 2007, “Encore”, e em 2016, “O voo do urubu”, que conta com participações especiais de Mano Brown, Criolo, Seu Jorge e Danilo Caymmi, entre outras. Sua discografia ainda registra o ao vivo “Timeless” (2010). 

 

 

 

“SAUDADE DEMAIS”


• Álbum de Arthur Verocai
• Lançamento Nikita Music (12 faixas)
• Disponível nas plataformas digitais