Bob Dylan durante show em Los Angeles, em 2012. O compositor norte-americano foi o vencedor do Nobel de Literatura em 2016 -  (crédito: Christopher Polk / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP)

Bob Dylan durante show em Los Angeles, em 2012. O compositor norte-americano foi o vencedor do Nobel de Literatura em 2016

crédito: Christopher Polk / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP

 

“Escrevo canções, toco no palco e gravo discos. É isso. O resto não é da conta de ninguém”, disse Bob Dylan à jornalista Edna Gundersen, em entrevista publicada em setembro de 2001, no “USA Today”. A seu modo, Greil Marcus segue esta cartilha em “Folk music – Uma biografia de Bob Dylan em sete canções” (Zain).

 


Marcus, de 79 anos, californiano de São Francisco, é um dos autores mais importantes dos Estados Unidos não só da música pop (no sentido de popular, não do pop como gênero), como também um especialista em Dylan.

 


De suas quase duas dezenas de livros publicados, quatro são dedicados ao maior nome da música norte-americana no século 20, hoje com 83 anos. Além deste lançamento, outro título do autor disponível no Brasil é “Like a rolling stone” (2010, Companhia das Letras)

 


“Folk music”, que chega ao Brasil dois anos após a publicação original, não é nem de longe uma biografia convencional de Bob Dylan. Apoiado no título da obra, alguém poderia dizer que o livro pode ser então a biografia de sete músicas. Mesmo esta definição carece de acuro, pois no capítulo dedicado à canção “Jim Jones”, por exemplo, Marcus só a menciona depois de mais de 30 páginas.

 


Ensaios

Na verdade, a partir de determinada canção, o autor apresenta pequenos ensaios não somente sobre Dylan (e há fartura de casos envolvendo o músico), como também da história cultural e política dos Estados Unidos. São extensas digressões que colocam o leitor em meio a um emaranhado tanto de fatos quanto de impressões pessoais.

 


Não é obra para iniciantes em Dylan, e deve ser lida aos poucos – de preferência, com uma audição das sete canções em que Marcus se baseia no livro e de tantas outras que ele cita ao longo da história.

 


As seis músicas de autoria de Dylan são "Blowin' in the wind" (1962), "The lonesome death of Hattie Carroll" e “The times they are a-changin” (ambas de 1964), "Desolation row" (1965), "Ain't talkin'" (2006) e "Murder most foul" (2020). A já citada “Jim Jones” é uma canção folclórica australiana que ganhou o mundo a partir da gravação no álbum “Good as I been to you” (1992), primeiro disco acústico inteiramente solo do cantor e compositor em quase três décadas.

 


Cada uma delas ganha um capítulo. Para introduzir o leitor, Marcus ainda escreveu duas páginas de uma biografia de Dylan. Já a abertura “Em outras vias” é iniciada por uma frase que ele disse em 2001 – “Eu me vejo nos outros” – para fazer com que o leitor entenda quão múltipla é a obra – e quantas leituras ela permite.

 


“Moralmente banal”

Um escritor mais convencional certamente escolheria suas favoritas de Dylan para escrever a respeito. Não é o caso de Marcus. O maior capítulo é dedicado a "Blowin' in the wind", que o autor afirma não ter gostado quando a ouviu, na época de seu lançamento.

 


O crítico admite que levou décadas para que uma das canções mais importantes (e regravadas) de Dylan lhe atingisse como deveria. Isto só aconteceu em 2011, quando lhe encomendaram um posfácio de um livro infantil sobre "Blowin' in the wind". Até então, a considerava “moralmente banal”.

 


O autor dedica meia dúzia de páginas a “Desolation row”, extensa canção de 11 minutos que não parece lhe interessar. O que Marcus chama a atenção aqui está no primeiro verso, "eles estão vendendo cartões-postais do enforcamento". A partir dela, ele volta no tempo para recriar um acontecimento em Duluth, cidade natal de Dylan. Em 1920, uma multidão branca linchou três artistas negros que trabalhavam em um circo. Talvez sim, talvez não, avô e pai de Dylan tenham assistido ao episódio.

 


Marcus relaciona esta história com a de seus antepassados: seus avós estiveram presentes na plateia de um linchamento ocorrido em San Jose, em 1933. Dois andarilhos que haviam matado um garoto judeu, filho do homem mais rico do local, acabam sendo aniquilados pela população enfurecida.

 

 

O que Marcus quer nos mostrar é que a imagem que Dylan evoca no início da canção reflete uma vergonha do passado de seu país: enforcamentos públicos eram celebrados com cartões postais ilustrados.

 

 

TRECHO

“Blowin’ in the wind”

“Dylan cantou a música em público pela primeira vez em 16 de abril de 1962, no Gerde’s Folk City, uma casa de shows no Greenwich Village. Ali, num ambiente da folk music – no seu estado de espírito, que em certo sentido é mesmo um estado, um país próprio –, Dylan já tinha se tornado um nome de peso, um ímã para as ideias, as ambições, os ressentimentos e a fome de todo mundo.

 

A curiosidade. Não foi a primeira vez que cantaram a canção no Gerde’s. Quem sabe por estar meio inseguro, quem sabe querendo ver como ela ia sair, uns dias antes, nos bastidores, Dylan tinha ensinado a canção ao cantor Gil Turner... Ele anotou a letra e levou ao palco enquanto Dylan assistia das coxias.”

 


“FOLK MUSIC – UMA BIOGRAFIA DE BOB DYLAN EM SETE CANÇÕES”
• Greil Marcus
• Tradução de João Vitor Schmidt
• Zain (256 págs.)
• R$ 74,90 (livro) e R$ 52,90 (e-book)