Ouro Preto – Permeando os ambientes da mostra “Refundação”, em cartaz no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, há frases como “Taxar muito grandes fortunas”, “O céu aceita Pix”, “Burguesia criminosa”, “Elite pantufa”, “Catequizar é adestrar”, “Vende-se carne negra” e painéis de LED, em vermelho, com outras como “O mundo roda e a pomba gira” e “Território inimigo”.
Com o objetivo de ser “um marco e fazer história”, “a mostra foi concebida, colaborativamente, entre artistas, curadores e agentes culturais e pensada, desde o início, para itinerar e ser reformulada a cada nova montagem”.
A primeira versão, conforme Alex Calheiros, diretor do Museu da Inconfidência, ocorreu em 2023, na Galeria Reocupa, espaço de exposições de arte contemporânea localizada no subsolo da Ocupação 9 de Julho, do Movimento Sem-Teto do Centro (MSTC, em São Paulo.
A sigla MSTC – “que não tem nada a ver com Minas Gerais”, conforme se indignou um morador – se encontra presente em vários cantos do museu, inclusive, em vermelho, sobre peças de madeira da forca que supliciou Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes (1746-1792), um dos expoentes da Inconfidência Mineira (1788-1789).
Calheiros conta que visitou a exposição em São Paulo, quando surgiu a ideia de levá-la para Ouro Preto. “A ministra da Cultura, Margareth Menezes, também visitou a ‘Refundação', em São Paulo. O nome se refere à ocupação em São Paulo, e não ao Museu da Inconfidência”, esclarece o diretor.
Satisfeito, ele anuncia que o Inconfidência acaba de ser incluído pela Unesco (agência das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura) na Rede de lugares de memória e de história do tráfico e da escravidão, ao lado do Museu da República, do Rio de Janeiro, e Museu Casa da Hera, em Vassouras (RJ).
Vale destacar que algumas, poucas, obras dispostas junto à coleção do museu passam quase despercebidas, enquanto outras impactam e causam “o desconforto” narrado por visitantes.
“Não é o espaço adequado para esse tipo de exposição. Cada coisa em seu lugar. Considero um total desrespeito... Aquelas peças em silicone (em referência às que têm representações de órgãos sexuais)... Isso não é ‘caretice’”, afirma o servidor público federal aposentado Flávio Andrade que, de tão indignado com o que viu, decidiu sair da Associação dos Amigos do Museu da Inconfidência.
Para o empresário Carlos Niquini, a mostra “Refundação” prima pela “infantilidade”, com obras sem qualidade. “Viajo pelo mundo, conheço vários museus que, atualmente, se abrem para intervenções inovadoras. Mas são trabalhos bonitos, que fazem sentido, têm conteúdo. Não é nada como colocar óculos na imagem de Nossa Senhora do Rosário”, diz.
Segundo Niquini, seria aceitável, por exemplo, um contraponto com os modernistas, exibindo os quadros de Tarsila do Amaral (1886-1973), autora do célebre “Abaporu”, de 1928.
“Novas narrativas”
Gostar ou não gostar, eis a questão. O museólogo Juliano Moreira gostou, e diz que a exposição é interessante, “pois vem mostrar exatamente o outro lado da história, o lado que foi apagado”. Destacando que “esquecer faz parte do lembrar”, o museólogo observa que, no mundo contemporâneo, há muitos pontos importantes vindo à tona, e a discussão se torna necessária para acabar com preconceitos.
“No mundo das artes, nem tudo é lindo. A arte serve ainda para instigar, incomodar, irritar. A cama, por exemplo, pode ser um lugar também para chorar. Ao ser realizada no Museu da Inconfidência, a exposição acentua os contrastes entre realidades, o que é positivo”, afirma.
Também ouro-pretano, o artista plástico, professor e gestor cultural César Teixeira vê como “saudável” o museu, nos seus 80 anos, ter seu acervo exposto ao lado da arte contemporânea “dando voz a novas narrativas”.
Segundo César, “há muitas histórias escondidas dentro do próprio acervo” da instituição, e, agora, promove-se o diálogo. “A curadoria colaborativa foi uma ótima ideia para o resultado da exposição.”