Ouro Preto - A equipe do Estado de Minas, composta por este repórter e o repórter fotográfico Alexandre Guzanshe, visitou a exposição “Refundação”, em cartaz no Museu da Inconfidência, no último 21/10, uma segunda-feira, dia em que o Museu da Inconfidência fica fechado à visitação pública, para limpeza e outros serviços.
Na manhã chuvosa, fria e com neblina, Ouro Preto estava, mais do que nunca, com “cara de Ouro Preto”, conforme disse um turista que não conseguiu entrar no museu localizado na Praça Tiradentes, “coração” do Centro Histórico da tricentenária cidade.
Guiados por Alex Calheiros, diretor do museu, os repórteres começaram a visita pela Sala das Origens, na qual se encontram os marcos de sesmaria e elementos dos primórdios da exploração do ouro.
Escravizados
“Está aqui o Brasil da Coroa Portuguesa, sem qualquer referência aos povos africanos escravizados”, comenta o diretor. Os olhos atentos vão ver uma máscara cirúrgica branca com a frase em inglês “I can’t breathe” (“Não consigo respirar”), associado ao movimento ativista Black Lives Matter (Vidas negras importam), dos Estados Unidos.
Conforme divulgou a curadoria da mostra, “a demonstração da relevância do debate entre a arte contemporânea e os modos de exibição de objetos museológicos é essencial, abordando questões sensíveis como escravização, racismo estrutural, desigualdades de gênero, subalternização dos povos originários, trivialização das violências históricas e formas de apagamento nas narrativas de museus históricos”.
Apontando que a expressão “Território inimigo”, transmitida em LED, remete à violência cometida contra os escravizados e aos espaços de conflitos, Alex Calheiros mostra, em seguida, a Sala da Construção Civil, que tem no alto um banner de uma carteira de trabalho e, em outro lugar, três retratos de uma mulher com as palavras carne, arroz e feijão escritas na boca. Na sequência, as salas de Transporte, com uma “intervenção têxtil em fotografia”, de Chris Tigra.
Depois vem a Mineração, destacando a imagem de São José ao lado de uma folha de jornal, com a manchete “O futuro presidente”. Mais adiante, a legenda, “A vingança é uma espécie de justiça selvagem”.
O espaço contém ainda uma obra interativa feita com a lama do subdistrito de Bento Rodrigues, no município vizinho de Mariana, onde ocorreu, em 5 de novembro de 2015, o trágico rompimento de barragem de rejeitos de minério: um sapo, com a boca costurada, modelado com o barro, obra do artista mineiro radicado em São Paulo Lucas Bambozzi.
Ditadura
Na Sala dos Inconfidentes, mais frases: “Em que dia celebramos a ditadura?”. Também uma aquarela da artista Pinky Wainer, que mostra uma mulher armada e encapuzada (“Mulher armada n1”), e um quadro de Elton Hipolito, intitulado “8 de janeiro”.
Um dos espaços mais visitados do museu, o Panteão, traz a bandeira da Palestina. “Após um pedido feito pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), ainda em São Paulo, a bandeira de Israel [desenhada sobre notas de dólares cobertos com linha de algodão, obra do artista pernambucano Lourival Cuquinha] foi coberta de preto”, informa Calheiros.
Antes de subir para o segundo piso, o visitante passará pelo pátio e pelas salas Vida Social e Império. Logo no fim da escadaria, vê-se um quadro da Santa Ceia na visão “queer”, da pernambucana Elvira Freitas Lira.
Depois vem a Sala de Arte Popular, Sala das Religiões, Sala do Triunfo Eucarístico, Sala das Irmandades Negras, com a imagem de Nossa Senhora do Rosário carregando óculos – obra “Óculos, barbante e fita adesiva”, do mineiro Paulo Nazareth.
Tem ainda as salas Mobiliário 1 e Mobiliário 2, essa última com “uma obra não recomendada para menores de 14 anos”, de acordo com o aviso. Dentro da gaveta de uma cômoda ficam as reproduções de órgãos sexuais femininos. A visita termina na Sala Ataíde, com as obras de Marco Vieira, “Medo”, acrílico sobre tela; e “Padroeira (Pau oco)”, de Débora Bolzsoni.
Intervenções na estrutura
Alex Calheiros, diretor do Museu da Inconfidência, anunciou que a partir de janeiro de 2025 serão realizadas intervenções na sede da instituição, com recursos da Plataforma Semente, do Ministério Público de Minas Gerais.
Estão incluídos limpeza de toda a cantaria externa e pintura das fachadas e ambiente interno, além de serviços em toda a instalação elétrica para emissão do Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros (AVCB). Outra novidade é que serão doadas ao museu mais de 4 mil lâmpadas para iluminação interna. Também está prevista uma exposição com 150 peças afro-mineiras da coleção de Tadeu Bandeira.
"REFUNDAÇÃO"
Exposição coletiva, em cartaz no Museu da Inconfidência (Praça Tiradentes, Centro Histórico de Ouro Preto). Visitação de terça a domingo, das 10h às 18h (entrada até 17h), até 10 de novembro. Entrada franca.