No centro do Bairro Calafate, uma casa de tijolinhos vermelhos e janelas gradeadas abriga um importante pedaço da história de Belo Horizonte: a Sociedade Musical Carlos Gomes ou simplesmente Banda Carlos Gomes. Fundada em 1896, ela é um paradoxo vivo, sendo um ano mais velha que a própria capital mineira.

 




Mas isso é fácil de explicar. Quem criou a Carlos Gomes foi Alfredo Camarate, imigrante português que integrou a Comissão Construtora da Nova Capital, chefiada por Aarão Reis.

 

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“Ele chegou aqui para participar da construção da nova capital e viu que não havia nenhum tipo de entretenimento. Nada de teatro, nem de música”, conta Dhenerson Carneiro, atual presidente da Carlos Gomes.

 


“Por ser aficionado em música, Camarate teve a ideia de contratar apenas operários que tocassem algum instrumento no intuito de juntá-los em uma banda”, acrescenta.


O plano ousado deu certo e no último 24 de setembro a Carlos Gomes completou 128 anos, sendo uma das poucas da cidade – senão a única – com funcionamento regular. Com 35 integrantes, os músicos se reúnem toda quinta-feira para ensaios, enquanto às terças estudam novas canções.


A banda ostenta currículo singular. Tocou na cerimônia de inauguração de Belo Horizonte, em dezembro de 1897, e na instalação do coreto do Parque Municipal, na década de 1930. Quando a luz elétrica chegou, em 1897, lá estava a Carlos Gomes para comemorar.


A estreia, no entanto, é ainda mais curiosa. Foi um concerto durante a missa celebrada para “solenizar o passamento de seu glorioso patrono” (leia-se: missa por alma de Carlos Gomes), na extinta Capela de Nossa Senhora do Rosário, localizada entre a Avenida Álvares Cabral e a Rua da Bahia, conforme consta em documentos da época. O compositor patrono da banda tinha morrido semanas antes, em 16 de setembro de 1896.


“O Guarany”

 

Conforme escreveu Abílio Barreto no livro “Bello Horizonte, memória histórica e descriptiva, história média”, durante a missa “a banda de música executou: ‘O Guarany’, de Carlos Gomes; 'Folhas soltas' (poema de Vicente de Carvalho), em prompto escrito, instrumentado por Camarate, um pequeno solo de cornetim, à elevação também de Camarate; e a sobre-marcha de Tannhauser de Wagner, sendo a primeira vez que Belo Horizonte ouviu em público partituras dos dois grandes compositores”.

 

 

A partir desse concerto, a Carlos Gomes se tornou conhecida e passou a ser chamada para tocar em outras ocasiões.


Hoje, o grupo é composto majoritariamente por idosos e pessoas acima dos 50 anos. “Mas estamos tentando trazer mais integrantes entre 12 e 15 anos para diversificar bem”, diz Dhenerson. Ele conta que outra preocupação é aumentar o número de mulheres no grupo – atualmente, são cinco entre 30 homens.


Questões financeiras também afligem o grupo. Sem patrocínio fixo, a Carlos Gomes vive do aluguel da sede para reuniões semanais do Alcoólicos Anônimos (AA) e de apresentações isoladas que faz em festas religiosas.


“Mesmo assim, ainda é muito difícil para nos mantermos”, diz Dhenerson. “Nós temos gastos com a manutenção da casa – IPTU, luz, água, internet – e com a manutenção dos instrumentos também. Chega uma hora que a gente precisa comprar, e não tem dinheiro”, acrescenta.

Em setembro, músicos da Carlos Gomes se apresentaram no Museu Abílio Barreto, escritor dedicou parte de livro à banda

Sociedade Musical Carlos Gomes/Arquivo

 

Virada Cultural

 

Muitos fatores podem explicar a falta de patrocínio. O principal talvez seja o ostracismo pelo qual o grupo passou nos últimos anos, com apresentações pontuais e muito pouco divulgadas. Desde o início do ano passado, no entanto, a Carlos Gomes vem mudando sua estratégia.


O grupo criou uma página no Instagram e vem realizando concertos por conta própria em praças da cidade. Também vem se inscrevendo em editais públicos – a banda se apresentou na Virada Cultural este ano, realizada em agosto – e continua participando das festas religiosas nas diferentes paróquias da capital.


Repertório vasto

 

Inserida em tais ambientes, é natural que o repertório da Carlos Gomes transite do sagrado ao profano. E é exatamente isso que encontramos no acervo de partituras da banda. Tem desde a “Missa da Piedade” (composta em 1905 por autor desconhecido) até “My heart will go on”, de Céline Dion; passando, claro, por árias de “O Guarany”.


Também integram o repertório tangos, dobrados, maxixes, valsas, foxtrots, hinos e polkas. “Nosso forte agora está sendo músicas de cinema, compositores negros e canções autorais. Estamos inserindo no nosso repertório obras de Anacleto de Medeiros, Sinhô e Francisco Belmiro, que foi maestro da banda e deixou algumas partituras aqui na sede. Tudo isso entra nas próximas apresentações até o final do ano”, conclui Dhenerson.


A agenda de concertos da Banda Carlos Gomes, ele diz, está disponível no perfil de Instagram (@bandacarlosgomesoficialbh).

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