As paredes vermelhas da sala à direita do foyer do CCBB-BH evocam uma gama de emoções: amor, paixão, raiva, fogo, guerra, vida e morte. De certa forma, tudo isso está representado nas fotografias expostas nessa sala como parte da mostra “Hiromi Nagakura até a Amazônia com Ailton Krenak”, que será inaugurada nesta quarta-feira (2/10) e ficará em cartaz até 30 de novembro.
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Com curadoria de Ailton Krenak, Angela Pappiani, Eliza Otsuka e Priscyla Gomes, a mostra reúne fotografias do japonês Hiromi Nagakura, capturadas em territórios indígenas da Amazônia durante uma série de viagens realizadas entre 1993 e 1998, tendo Krenak como guia.
Trata-se de uma Amazônia que já não existe mais, segundo o filósofo e imortal da Academia Brasileira de Letras. “Como uma paisagem tão magnífica desaparece em um passe de mágica, como se fosse um truque?”, questionou, durante conversa com jornalistas um dia antes da abertura da mostra.
“Esses registros foram feitos há 31 anos. Em três décadas, conseguimos apagar uma boa parte daquele mundo de florestas e águas que aprendemos a chamar de Amazônia”, acrescentou.
“Hiromi Nagakura: da Amazônia com Ailton Krenak” se inicia com uma série de imagens dos povos Huni Kuin, Kaxinawá, Ashaninka e Yawanawá, localizados entre o Acre, Amazonas, Peru e Bolívia.
Fotógrafo de guerra
Experiente em guerras e conflitos, o fotógrafo japonês se interessou em fotografar a Amazônia após sobrevoar o Rio Tocantins e avistar vários focos de incêndio na região. Ele conheceu Krenak e desenvolveu uma relação de proximidade com o escritor, discutindo sempre possibilidades de reverter a situação de destruição da Amazônia.
“A tendência é as pessoas acharem que é um problema local, mas não é. Está tudo interligado. Temos um problema aqui no Brasil, tsunami no Japão, terremoto no Iêmen, seca na Europa”, disse Nagakura.
Ele, contudo, não pretendia fotografar conflitos diretos entre os povos originários e invasores, mas sim conhecer a cultura de cada etnia, registrando como a luta dos povos influenciava as famílias e os indivíduos.
O primeiro núcleo da exposição apresenta imagens do cotidiano dos Kaxinawá, Ashaninka e Yawanawá, que sofrem significativamente com a invasão dos seringalistas. Seguindo a lógica de não fotografar o conflito de maneira ampla, Nagakura nos mostra cenas dos indígenas em momentos de descontração, tocando instrumentos, nadando e navegando pelos rios da região.
O segundo núcleo foca na religiosidade dos povos A’uwê Uptabi – Xavante, Krikati e Akrãtikatêjê – Gavião da Montanha, respectivamente do Mato Grosso, Maranhão e Pará. Eles enfrentam ameaças diárias ao seu patrimônio físico e cultural, sofrendo interferências de religiões, do agronegócio e de projetos do próprio poder público, que atua na região sem consultá-los. O povo Gavião da Montanha, por exemplo, foi forçado a se retirar de suas terras devido a alagamentos causados pela hidrelétrica de Tucuruí.
O que Nagakura captura, no entanto, são ritos e celebrações desses povos, uma forma de resistência que afirma a própria cultura. Em destaque, uma imagem mostra homens da etnia Xavante formando um grande círculo em um ritual de iniciação dos jovens meninos. Em frente a essa foto, na parede oposta, está a cerimônia de casamento dos Krikati, onde os noivos se deitam sobre uma esteira diante do xamã, que conduz a união.
Yanomamis
O terceiro núcleo é dedicado aos Yanomamis, frequentemente vítimas de epidemias e assassinatos. Em janeiro de 2023, a agência Sumaúma denunciou a morte de 570 crianças Yanomamis entre 2019 e 2022. As fotos, porém, trazem um outro olhar.
Vemos uma menina lavando um chinelo na chuva, um menino segurando uma banqueta de madeira na altura do rosto, simulando o gesto do fotógrafo; o sorriso aberto de outro garotinho com o rosto pintado de urucum, e a garotinha travessa, sentada no chão. A imagem mais comovente talvez seja a da mãe segurando um bebê no colo, cercada de crianças e olhando para cima, sorrindo.
“Todos ali estavam vendo um macaco em cima de uma pedra, um lugar onde ele não costuma subir”, contou Krenak. “A imagem consegue transmitir a ideia de simplicidade e de que podemos viver em um mundo com simplicidade”, disse.
A exposição se encerra com uma espécie de “pós-créditos”, apresentando fotos de Krenak e Nagakura, 30 anos mais jovens. “(Com a mostra) Acho que conseguimos encontrar uma chave para não manter a história da Amazônia confinada no ocidente. E, mais ainda, mostrar a Floresta Amazônica cheia de humanidade”, diz Krenak.
“HIROMI NAGAKURA ATÉ A AMAZÔNIA COM AILTON KRENAK”
Exposição de fotos, em cartaz até 30/11, na galeria do térreo do CCBB-BH (Praça da Liberdade, 450, Funcionários). De quarta a domingo, das 10h às 22h. Entrada franca, mediante retirada de ingressos na bilheteria ou pelo site do CCBB. Hoje (2/10), às 19h, Hiromi Nagakura e Ailton Krenak participam da palestra “Celebração do Encontro”, sobre a viagem pela Amazônia.