O que acontece depois do auge? O diretor Todd Phillips teve cinco bons anos para maturar esta questão. Bilheteria de US$ 1 bilhão, dois Oscar (melhor ator e trilha sonora, além de outras nove indicações), críticas arrebatadoras mundo afora e uma discussão também global sobre violência fizeram de “Coringa” (2019), um marco no universo dos super – heróis e vilões.

 


Com a sequência “Coringa: Delírio a dois”, que estreia mundialmente nesta quinta-feira (3/10), Phillips rema contra a corrente. O protagonista (Joaquin Phoenix, novamente brilhante) tem apenas alguns vislumbres do sociopata sujo Coringa que todos amam odiar. Quem permanece o maior tempo na tela é o perturbado e solitário Arthur Fleck, que mais do que qualquer coisa só quer ser amado.

 


Lançado no Festival de Veneza, o filme dividiu opiniões já na première, não só pelo tom sorumbático do personagem, sem grandes explosões de violência ou até de humor, como também pelo excesso de músicas. Se o longa inicial foi um drama pesado com um pendor para o thriller, sua continuação é em clima de musical – o que mais do que justifica a presença de Lady Gaga como coprotagonista, ainda que ela esteja mais contida.

 




Delírio a dois é a tradução do francês “folie à deux”. É um transtorno delirante raro em que uma pessoa com quadro psicótico transfere seus delírios para outra (ou outras), geralmente alguém com quem tem um relacionamento próximo. Nesta seara, Phillips cria uma pegadinha: o delírio no qual Arthur Fleck/Coringa e Lee Quinzel/ Harley Quinn (ou Arlequina, a vilã que Margot Robbie interpretou) entram vem da imaginação.

 


O filme abre com uma animação feita pelo francês Sylvain Chomet. Na história, Arthur é humilhado por sua própria sombra, que leva sua identidade de Coringa embora. É basicamente um trailer animado do que se verá na tela a seguir, com personagens de carne e osso.

 


Depois dos acontecimentos do filme anterior, Arthur está definhando no Arkham State Hospital. Magérrimo nesta vida sem vida, sua única missão de cada dia é levar suas próprias necessidades num balde para serem eliminadas. Está à espera do julgamento por cinco assassinatos – seis, ele bem sabe em seu íntimo, já que matou a própria mãe.

 


Nem mesmo forças tem para contar suas piadas para o grupo de guardas, encabeçado pelo abusivo Jackie Sullivan (Brendan Gleeson). Só que Arthur é famoso agora. Matar o apresentador de talk show Murray Franklin em frente às câmeras de TV originou um filme sobre ele – produção que não teve permissão para assistir.

 


Com a proximidade do julgamento, sua advogada, Maryanne Stewart (Catherine Keener) trabalha em sua tese de defesa. Não há como negar que Arthur praticou os crimes. O que a defensora pretende é convencer o júri de que seu cliente ficou perturbado em decorrência de uma criação abusiva. Portanto, merece tratamento hospitalar. Já o promotor público Harvey Dent (Harry Lawtev) não quer saber: Arthur não é louco e merece a penalidade máxima, ou seja, a morte.

 

Um dos filmes mais aguardados do ano, "Coringa: Delírio a dois" chegará aos cinemas em 3 de outubro de 2024. No entanto, não empolgou na sua estreia durante o Festival de Cinema de Veneza.

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Mas a única luz que Arthur vê vem de outro lugar. Numa aula de musicoterapia, ele conhece a interna Lee. Ela é loira, canta bem, morou no mesmo bairro que ele e já assistiu ao filme dezenas de vezes. A atração é imediata. Não importa que o resto do mundo acredite que ele seja louco. Lee o adora. E sempre que o vê, ela só vê o Coringa.

 


Filme de tribunal

A primeira parte do filme é basicamente passada em Arkham, mostrando o encontro dos dois personagens. Na vida real, eles têm poucas oportunidades de se tocar. Mas em seus delírios, a história é outra. Já a segunda parte se revela um filme de tribunal, com todo o passado e os crimes do personagem sendo passados a limpo. Mas Arthur não quer saber. O que ele precisa é de Lee a seu lado. “Arrume um lugar melhor para ela na próxima sessão”, é o que pede à advogada.

 


Toda a narrativa “real”, por assim dizer, é entrecortada por números musicais que vêm da imaginação de Arthur e Lee. São versões de antigas canções que ganham leituras bem pessoais. Os dois brilham no palco com “To love somebody” (Bee Gees). Harley insiste que quando Arthur estiver livre, os dois vão fazer uma montanha. “Gonna build a mountain” ganha uma versão gospel de Lady Gaga.

 


Mesmo com esta parceira de cena, um dos números mais tocantes é o de Phoenix sozinho entoando “For once in my life”, standard de Stevie Wonder. Há ainda uma versão dolorida protagonizada pelo ator, em que ele entoa “If you go away”, a versão em inglês para o clássico “Ne me quitte pas”. Gaga está com o pé no freio nas interpretações. Canta lindamente, como já o fez outras vezes no cinema. Mas não há nenhum momento de explosão.

 


Na reta final da história, as máscaras vão caindo. Há poucos lampejos de violência, e o drama se instaura. A famosa escada do primeiro filme, inclusive, aparece como cenário deste segmento.

 


A ousadia de Phillips em ir contra o que a indústria e os fãs esperam de “Coringa” e de um personagem da DC Comics deverá render uma bilheteria menor do que o filme de origem. Mas poderá também chamar a atenção de uma plateia que passa ao largo deste tipo de produção. Se não for pelos personagens, poderá ser pela música. 

 

 "CORINGA: DELÍRIO A DOIS”


(EUA, 2024, 138min.). Direção: Todd Phillips. Com Joaquin Phoenix, Lady Gaga e Brendan Gleeson. O filme estreia nesta quinta-feira (3/10), nos cines BH, Big, Boulevard, Centro Cultural Unimed-BH Minas, Cidade, Contagem, Del Rey, Diamond, Estação, Itaupower, Minas Shopping, Monte Carmo, Norte, Pátio, Ponteio, Via Shopping, UNA Belas Artes.

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