A primeira coisa que chama a atenção em "Até que a música pare" é a direção de arte. Tanto no exterior como no interior da casa de Chiara (Cibele Tedesco), as cores se combinam, suaves, harmônicas. Logo dá para discernir que a paisagem – natural ou não – surge muito da capacidade de Cristiane Oliveira, a diretora, de enquadrá-la.

 


Dentro de casa ou na soleira, a vida de Chiara parece cheia de desassossego. Ela fica sozinha quase todo o tempo, enquanto Alfredo (Hugo Lorensatti), o marido, vendedor, sai com o carro para fazer as entregas. A casa fica numa espécie de sítio, e a possibilidade de se entreter com vizinhos é pequena.

 




Só conversa com alguém quando a filha vem visitá-la, já que Alfredo, quando chega do trabalho não está para muita prosa. Ela sofre praticamente sozinha com a morte do filho. Alfredo fala pouco e sua conversa é vaga. Raramente se refere ao filho, com quem parece ter tido pouca ligação. O fato de o rapaz ter se declarado como alguém sem religião é algo que não entra na cabeça dos pais.

 


Por vezes há uma reunião de família. Numa delas, Chiara encontra um rapaz que se diz budista. Para uma católica isso parece demais. Ela não tem grandes curiosidades na vida, mas é certo que não entende essa história de reencarnação, de espíritos que passam a existir em porcos, por exemplo, depois da morte etc.

 


Quando pergunta ao rapaz sobre esse culto estranho, está sinceramente empenhada em entender algo mais sobre crenças além da informação que tem, do catolicismo básico. Por uma série de razões, não vemos os protagonistas como pessoas que desistiram da vida, apesar das limitações de seus horizontes e das desilusões. Até aqui, o filme nos introduziu a certas características de uma região que poucos conhecem, onde o catolicismo vigora muito forte e é o que mais serve à união dos habitantes.


Vazio

Inconformada com o vazio de sua vida, em especial desde a morte do filho, Chiara decide acompanhar o marido em suas viagens diárias. Na verdade, ela vai transferir seu vazio para a estrada. É quando o filme cai um pouco. Deveria subir – ali está a estrada, os diversos clientes, além de Filomena, a tartaruga que Alfredo introduziu na vida conjugal.

 


No começo é interessante, porque o filme nos leva para a estrada, para uma vizinhança até então ausente da história. Mas Chiara, na estrada, desenvolve um criticismo excessivo em relação ao marido, e de uma maneira um tanto monocórdica – reclama que ele bebe um vinho com os clientes, que ele acompanha o jogo de cartas, que nem sempre passa as notas fiscais como exigiria a estrita honestidade etc.

 


Por sorte, ela começa a desenvolver uma atração primeiro curiosa, depois afetiva por Filomena, a tartaruga. E a partir de certo ponto começa a vê-la à maneira do budismo (tal qual assimilou, em todo caso), como dotada de um espírito.

 


É essa peculiaridade que leva ao final bastante surpreendente da trama, sobre o qual convém não falar para não estragar o prazer de quem acha que o único prazer que o filme pode dar é desconhecer o final.

Não é bem assim: importa muito mais saber como o filme caminha para esse final, e Cristiane Oliveira controla muito bem essa evolução. Pode-se dizer que é muito raro alguém fazer filmes sobre o luto, em especial a respeito de lutos em aberto, da solidão, da vida na estrada, da chegada da velhice.

 


Em princípio, parece tudo muito pesado. No entanto, "Até que a música pare" imprime a esses temas uma leveza que iguala a desenvoltura e o rigor da direção. Sem falar da ousadia que consiste em passar ao largo dos temas da moda.

 


“ATÉ QUE A MÚSICA PARE”
(Brasil, 2023, 1h37). Direção: Cristiane OIiveira. Com Cibele Tedesco, Hugo Lorensatti, Elisa Volpatto. Classificação: 12 anos. Em cartaz no UNA Cine Belas Artes (Sala 1, 18h50)

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