Duas décadas após a chegada dos portugueses ao Brasil, mudas de cana-de-açúcar foram trazidas da Ilha da Madeira. O clima tropical da então colônia se mostrou favorável ao plantio e logo os canaviais foram implementados, sobretudo no litoral nordestino.

 




Essa atividade econômica, no entanto, gerou diversos impactos socioambientais no Brasil. Extensas áreas da mata atlântica, por exemplo, foram destruídas – tanto para abrir espaço para canaviais, quanto para alimentar as caldeiras dos engenhos com a madeira da vegetação nativa. Atualmente, algumas usinas de açúcar ainda geram a liberação de resíduos tóxicos que contaminam as águas brasileiras.

 

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Tais questões são trabalhadas pela bailarina e performer carioca Izabel de Barros Stewart no espetáculo “Solo da cana”, que estreia no Teatro 2 do CCBB BH, nesta sexta (11/10), às 19h. A peça, escrita pela artista e dirigida por João Saldanha, parte do seguinte questionamento: o que uma cana-de-açúcar teria a dizer aos seres humanos após séculos de exploração?

 


No palco, a bailarina estreia como atriz ao interpretar a própria cana-de-açúcar em um jogo cênico que busca atribuir voz e ação ao vegetal que, ainda hoje, segundo ela, reforça a cultura mercantilista e exploratória.


Racismo

 

Não é a primeira vez que as pautas ambientais são trabalhadas pela artista. Izabel foi coordenadora da ONG Primatas da Montanha (PRIMO) e estruturou um programa de educação ambiental na escola Instituto Ouro Verde, em Nova Lima, na Grande BH.


“Na montagem, focalizo a exploração da cana-de-açúcar para discutir não só o aproveitamento abusivo da terra, flora e fauna, mas também de certos grupos humanos. A colonização que transformou a paisagem e desmatou as florestas brasileiras para instaurar o latifúndio privado de monocultura criou as sub-humanidades. O racismo e as discriminações de gênero fazem parte desse regime de pensamento”, diz Izabel.

 


Durante o Ciclo do Açúcar, que durou do século 16 ao 18, a produção e exportação da cana se davam a partir da mão de obra escravizada, primeiro dos indígenas e, mais tarde, dos africanos.


Povos originários foram expulsos de suas terras para o cultivo em monocultura e a escravização da população africana provocou danos sociais que se estenderam para a contemporaneidade.


Em 2023, 212 pessoas que trabalhavam em condições análogas à escravidão foram resgatadas no Sul de Goiás em usinas de álcool e canaviais. Os trabalhadores, vindos do Norte e Nordeste do país, eram obrigados a pagar aluguel dos alojamentos precários em que viviam, não havia fornecimento de alimentação e instalações sanitárias próximas ao trabalho, bem como equipamento de proteção para a aplicação de agrotóxicos nas áreas de plantio.


“A lógica do abuso dos solos e da natureza como recurso e mercadoria se estende para as relações que se estabelecem com quem trabalha na terra. Nesse sentido, todo ecocídio também é uma forma de genocídio. Não tem como separar ambos os crimes, porque vivemos em um planeta em que as vidas são interdependentes”, destaca Izabel de Barros Stewart.


“SOLO DA CANA”
Com Izabel de Barros Stewart. Estreia nesta sexta-feira (11/10), às 19h, no Teatro 2 do CCBB BH (Praça da Liberdade, 450 – Funcionários). De segunda a sexta, até 28 de outubro. Aos sábados, sessões com intérprete de libras e bate-papo após a apresentação. Ingressos: R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), à venda na bilheteria local e no site ccbb.com.br/belo-horizonte.


* Estagiária sob supervisão da subeditora Tetê Monteiro

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