“É importante que escrevamos nossa própria história. Caso contrário, dirão que nunca estivemos aqui.” A frase foi dita pela documentarista norte-americana Camille Billops (1933-2019) em uma entrevista à Topic Magazine, publicada um mês antes de sua morte.

 

 


Ao longo de mais de quatro décadas de carreira, Billops trabalhou com diversas formas de arte. Além de cineasta, foi também escultora, pintora, atriz e escritora. No cinema, ficou conhecida por histórias autobiográficas.

 



 

Desta terça-feira (15/10) a domingo, o Cine Santa Tereza abriga uma retrospectiva do trabalho da artista, ainda pouco divulgado no Brasil. Com curadoria de Carla Italiano e Janaína Oliveira, a mostra apresentará todos os seis filmes de Camille, em cópias restauradas em 4K.

 

 


“A obra dela é pouco conhecida fora dos Estados Unidos e, mesmo lá, apenas alguns grupos específicos a investigaram. O que nos motiva a realizar essa mostra é expandir o conhecimento sobre sua obra. O trabalho de Camille é muito interessante por várias questões que reverberam no cinema brasileiro contemporâneo”, afirma Carla. Camille Billops esteve em exibição pela primeira vez no Brasil em março deste ano, no Instituto Moreira Salles, em São Paulo.

 

Direitos civis

 

Ativismo, memória e representação foram os pilares da arte de Camille, cuja carreira teve início no contexto do movimento por direitos civis que emergiu nos Estados Unidos na década de 1960. Ela também é conhecida por sua atuação política no movimento feminista.

 


Billops iniciou a carreira no cinema em 1982, com “Suzanne, Suzanne”, em que aborda os traumas de sua sobrinha, assombrada pelos abusos que sofreu na infância. Em “Mulheres mais velhas e o amor” (1987), ela se inspirou na história de uma tia que namorava um homem muito mais jovem.

 


Todos os seus filmes foram produzidos junto a James V. Hatch, seu companheiro de vida e arte, com quem fundou a produtora Mom and Pop Productions. Ao longo dos anos junto, o casal colecionou um dos maiores arquivos existentes da cultura negra dos Estados Unidos.

 

 


O grande sucesso veio uma década depois de sua estreia, com o lançamento de “Encontrando Christa”, documentário que abre a programação da retrospectiva no Cine Santa Tereza, às 19h de hoje. “É um filme que permanece muito atual, principalmente naquilo que incomoda, no sentido dos papéis que se espera socialmente que as mulheres desempenhem”, aponta a curadora.

 

 

"Pegue suas malas" integra a programação, que é gratuita e se estende até o próximo domingo

Cine Santa Tereza/Divulgação

 

 

Prêmio em Sundance

 

Camille nunca teve o desejo de ser mãe e, após o nascimento de sua filha, decidiu entregá-la para adoção, decisão pela qual foi criticada. Vinte anos depois, reencontrou sua filha, Christa, para gravar o documentário. O filme foi um divisor de águas em sua carreira, dando-lhe projeção internacional, depois de vencer o Prêmio do Júri no Festival Sundance em 1992.

 


Sempre abordando temas muito pessoais, seus filmes ficaram conhecidos por “lavar a roupa suja” dos dilemas familiares. “Ela tinha um trabalho no cinema muito voltado para questões da própria família, mas também para temas sociais que atravessaram a vida dela e o país. Ela teve uma proposta muito corajosa de colocar um enfoque em histórias que, a princípio, não eram transformadas em material de cinema”, comenta Carla.

 

 

 


A exibição de “Encontrando Christa” hoje será seguida de debate com as curadoras Carla Italiano e Janaína Oliveira e a pesquisadora Roberta Veiga. “É um filme que condensa todo o projeto de cinema e de arte da própria Camille. Vamos entrar em alguns dos principais temas levantados por ele que ajudam a iluminar outras questões que vão aparecer ao longo da mostra, como as representações de mulheres negras nos filmes”, detalha Carla Italiano.

 

 


Além dos filmes de Camille Billops, a mostra exibirá produções de mulheres que aprofundam as questões abordadas pela cineasta. Serão exibidos oito filmes de diretoras negras, sendo três deles de realizadoras de Belo Horizonte: “Colhia o tempo que nem laranja no pé”, de Layla Braz; “Vós”, de Ana Pi, e “Nunca pensei que seria assim”, de Meibe Rodrigues. Outras duas mesas serão realizadas, na quinta (17/10) e no sábado (19/10), com as pesquisadoras Cláudia Mesquita e Anti Ribeiro, respectivamente.

 


No final da vida, Camille sofreu de demência e morreu de parada cardíaca, em sua casa, em Manhattan. James Hatch faleceu um ano depois de Camille, deixando um filme inacabado que retrata o relacionamento dos dois.

 


RETROSPECTIVA CAMILLE BILLOPS


Até 20 de outubro no Cine Santa Tereza (Rua Estrela do Sul, 89, Praça Duque de Caxias – Santa Tereza). Abertura nesta terça (15/10), às 19h, com a exibição de “Encontrando Christa”. Entrada gratuita. Programação completa disponível no site da Prefeitura de Belo Horizonte. 

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