O primeiro dos três Oscars de Ingrid Bergman veio em 1945, por “À meia luz” (1944), filme de George Cukor adaptado da peça “Gas light” (1938), do dramaturgo britânico Patrick Hamilton. Na história, ela interpreta uma mulher que acredita estar perdendo a sanidade – a culpa é do marido, o texto vai mostrar.

 


 
“Jô, esse filme daria uma peça maravilhosa”, disse o ator e produtor Giovani Tozi. Depois de uma boa risada, seu interlocutor explicou: “O filme vem de uma peça”. Em 2018, na sala de cinema que Jô Soares (1938-2022) montou em seu apartamento, Tozi descobriu não só a história do texto teatral que virou um clássico do cinema. Ainda conheceu a origem do termo gaslighting, que hoje refere-se ao abuso psicológico por meio da distorção ou falsificação de fatos.

 



 


Este é o ponto de partida de “Gaslight, uma relação tóxica”, espetáculo que estreia nesta quinta-feira (17/10), no Centro Cultural Banco do Brasil. O texto escrito mais de 80 anos atrás se tornou a última direção de Jô Soares, também responsável (ao lado do jornalista Matinas Suzuki Jr.) pela tradução e adaptação.

 

Casamento

 

A trama trata da relação de um jovem casal, Jack (Giovani Tozi) e Bella (Erica Montanheiro). No início do casamento, tudo está às mil maravilhas. Em dado momento, ele começa a se impacientar: Bella está sofrendo de algum desequilíbrio mental, alega. Sem apoio do marido, que diz não conseguir lidar com a situação, ela realmente acha que está enlouquecendo.

 

Este drama é acompanhado pela governanta Elizabeth (Mila Ribeiro) e pela arrumadeira Nancy (Maria Joana). A chegada de um novo personagem, o inspetor de polícia Ralf (Kiko Pissolato), que possui uma ligação com a casa, vai embaralhar mais as coisas.

 


Durante a temporada no CCBB, que vai até 4 de novembro, a montagem vai completar 100 apresentações. “Gaslight” estreou originalmente em São Paulo, em 9 de setembro de 2022, um mês após a morte de Jô, aos 84 anos. Desde então, já passou por várias cidades. A concepção da montagem foi feita por ele.

 


Quando ele começou a ficar debilitado, Maurício Guilherme, que foi seu assistente de direção em montagens anteriores, foi convidado para assinar a peça como codiretor.

 

 

“O Jô traduz e adapta todas as peças dele. Então, o texto que ele faz já traz muita coisa nas rubricas. A direção dele começa muito no papel. Maurício deu continuidade ao trabalho”, conta Tozi, que protagoniza e produz a montagem.


Sacada genial

 

Mesmo que Jô não tenha participado dos ensaios, sua mão esteve em tudo. “A peça se passa num casarão, então deveria ter um cenário realista. A primeira sacada genial que o Jô teve foi a seguinte: se estamos tratando de uma relação tóxica, quero uma teia de 14 metros cobrindo o palco”, conta Tozi.

 


A personagem Bella estaria colada nesta teia, mas sem enxergar isto. “Pois geralmente a pessoa que está numa relação assim não consegue ver, precisa de alguém de fora para mostrar como está enredada”, explica Tozi.

 

Jô Soares decidiu instalar imensa teia no palco para caracterizar a relação tóxica vivida pela personagem Bella

Marcio Scavone/divulgação

 


Em sua tradução, Jô não mexeu no texto original. “Para ele, o teatro é popular, ele quer que chegue ao maior número de pessoas possível. Em um dos primeiros ensaios com o elenco, ele foi limpando a linguagem formal, deixando-a em um tom coloquial, mas sempre fiel ao texto.”

 

 

Tozi comenta que mesmo que o texto tenha quase 100 anos, sua atualidade é impressionante. “Vejo muito no saguão, no fim da peça, mulheres comentando que ouviram exatamente as mesmas frases dos ex-maridos.”

 


“Gaslight” estrearia em março de 2020. Adiada em razão da pandemia, foi “decantada” durante a crise sanitária. “Foi uma boia de salvação para a gente naquele momento.” Com o adiamento para 2022, houve uma sincronicidade: gaslighting foi eleita a palavra daquele ano.

 


A “eleição” foi realizada pela Merriam-Webster, a editora de dicionários mais antiga dos Estados Unidos. As pesquisas pela palavra no site da Merriam-Webster aumentaram 1.740% durante 2022.


Dissertação sobre Jô

 

Giovani Tozi levou Jô Soares para a universidade. Em 2017, ele defendeu, no Instituto de Artes – Unicamp, a dissertação “Jô Soares: diretor teatral”. “Foi o primeiro trabalho acadêmico sobre o teatro do Jô que, em mais de 50 anos, fez 23 peças”, comenta Tozi, que continua trabalhando sobre este viés.

 

Atualmente, é doutorando na mesma instituição, onde pesquisa o humor no teatro de Jô Soares. “Mesmo quando monta um drama, uma tragédia (como em “Gaslight”), ele usa do humor para chegar ao público.”

 


“GASLIGHT, UMA RELAÇÃO TÓXICA”


Estreia nesta quinta-feira (17/10), às 20h, no Teatro 1 do Centro Cultural Banco do Brasil, Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400. De quinta a segunda, às 20h. Até 4 de novembro. Texto: Patrick Hamilton. Direção: Jô Soares e Mauricio Guilherme. Elenco: Erica Montanheiro, Giovani Tozi, Kiko Pissolato, Maria Joana e Mila Ribeiro. Duração: 100 min. Ingressos: R$ 30 e R$ 15 (meia). À venda na bilheteria e no site ccbb.com.br. A sessão de 26/10 terá bate-papo com o elenco.

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