Um deslocamento espacial e temporal que, no entanto, diz respeito a urgências planetárias atuais está no cerne do espetáculo “Furacão”, que o Amok Teatro – premiada companhia da cena carioca, com mais de 25 anos de trajetória – apresenta em Belo Horizonte nesta sexta (18/10) e sábado (19/10), às 20h, e no domingo (20/10), em duas sessões, às 17h30 e às 20h, no Galpão Cine Horto. A fundadora do Amok Teatro, Ana Teixeira, assina a direção, ao lado do parceiro Stephane Brodt.

 


Baseada no romance homônimo do premiado escritor francês Laurent Gaudé, a montagem apresenta uma personagem da comunidade negra de Nova Orleans – Joséphine Linc Steelson, próxima dos 100 anos – face à violência do Katrina, furacão de devastou o Sul dos Estados Unidos em 2005. A protagonista da peça é a atriz Sirlea Aleixo, que divide a cena com Taty Aleixo – sua filha, na vida real – e com os músicos Anderson Ribeiro e Rudá Brauns.

 




“Quando encontramos esse livro, fomos arrebatados, porque o texto é muito impactante, traz questões urgentes de serem debatidas, além de abordar dilemas éticos. Quando houve o alerta do Katrina, os bairros ricos de Nova Orleans foram evacuados, ao passo que os pobres ficaram abandonados à própria sorte. Esse espetáculo trata da crise climática, mas trata, sobretudo, de racismo ambiental, de como eventos extremos impactam as populações mais desamparadas”, diz Ana Teixeira.

 


Trilogia da África

Ela explica que “Furacão” fecha a “Trilogia da África”, iniciada com “Salina (a última vértebra)”, de 2015 – peça que passou por Belo Horizonte em 2017 –, também adaptada a partir de um texto de Laurent Gaudé, e seguiu com “Os cadernos de Kindzu”, que tem como ponto de partida a obra “Terra sonâmbula”, do escritor moçambicano Mia Couto. A diretora pontua que o projeto, como um todo, se situa em um campo de pesquisa cênica que tem o continente africano como referência.

 


“Ele é composto de três painéis. O primeiro apresenta uma África mítica, ritual, uma África ancestral, fantástica, com seus reis e rainhas; o segundo trata da África lusófona; e 'Furacão' foca a diáspora africana, mergulhando no Sul dos Estados Unidos no momento da passagem do Katrina”, afirma. Ela destaca que esse desfecho da trilogia é o que trata de maneira mais contundente a questão racial, com a protagonista trazendo referências a Rosa Parks e ao movimento anti-segregacionista.

 


A “Trilogia da África” foi motivada por um desejo de deslocar o olhar sobre os atores negros, que, comenta Ana, até 2014 ainda eram muito colocados num lugar de reforço de sua invisibilidade social – o personagem escravizado, o marginal, o submisso, o cômico. Ela diz que, dentro do processo de formação de atores, o Amok Teatro contou com a participação do mestre Jorge Antônio dos Santos, da comunidade dos Arturos, de Contagem. “Ele é um dos pilares dessa trilogia”, ressalta.

 


Jazz e blues

“Furacão” traz as formas narrativas que são marca registrada da Amok. “Teatro e música são indissociáveis no nosso trabalho, então é um espetáculo híbrido, que está tanto no campo da música – poderia ser quase um show – quanto no do teatro. Esse cruzamento sempre nos interessou.

 

O repertório explora o jazz e o blues em composições originais”, diz a diretora. Ela observa que, apesar da ambientação e da música, “Furacão” tem uma feição universal.

 


“O teatro é o espaço do exercício da alteridade, da empatia, da capacidade de se colocar no lugar do outro. Não acho que precisa trazer referências brasileiras para falar do Brasil. Existem pontos de encontro e de identidade entre as comunidades negras nos Estados Unidos e no Brasil. E, quando percebemos aquilo que nos difere do outro, aprendemos muito sobre nós mesmos. É o lugar onde resgatamos nossa humanidade, para além de diferenças históricas, culturais ou geográficas”, diz.



“FURACÃO”
Espetáculo do Amok Teatro, com Sirlea Aleixo e Tay Aleixo. Nesta sexta (18/10) e sábado (19/10), às 20h, e no domingo (20/10), às 17h30 e às 20h, no Galpão Cine Horto (Rua Pitangui, 3.613, Horto – 31.3481-5580). Ingressos a R$ 30 (inteira) e R$ 15 (meia), antecipadamente pela Sympla ou na bilheteria do teatro. Classificação etária: 12 anos.

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