Quando se fala em Dionne Warwick, invariavelmente relacionamos seu nome ao de outros: ela é prima de Whitney Houston, a quem ajudou no início de carreira, e a voz de canções antológicas da dupla Burt Bacharach e Hal David. Aos 83 anos, a cantora e atriz, que está de volta aos Brasil para três shows, o primeiro deles nesta sexta (25/10), em Belo Horizonte, é muito mais.
Foi Dionne, por exemplo, quem falou diretamente para Snoop Dogg o que a misoginia contida nas letras dele poderia causar. “Isto foi na época do gangsta rap”, conta ela ao Estado de Minas. “As letras não eram legais não só para mim, mas para todas, pois degradavam tanto garotas quanto mulheres.”
Pois foi nos anos 1990 que ela o convidou para ir à sua casa, porque achou que já era hora de alguém questioná-lo sobre chamar as mulheres de vadias. “Alguém tinha que falar para ele e aqueles com quem andava.” A conversa, diz Dionne, foi maravilhosa.
“Disse que poderiam falar o que quisessem, mas de outra maneira. Que deveriam olhar para as mulheres da forma que elas deveriam ser vistas. Além disso, também comentei que ele poderia se casar, ter uma garotinha e que, um dia, ela mesma perguntaria ao pai se ele cantava aquelas coisas.”
Foi exatamente isto que aconteceu. A caçula de Snoop Dogg é a hoje cantora Cori Broadus. “Ele cresceu muito, é uma pessoa incrível, hoje um empresário também. E todas as coisas que disse no passado não são mais ditas”, comenta Dionne.
Este episódio com o rapper (que se reinventou) mostra um lado da trajetória da cantora, que é dinâmica e abrangente, acompanhando seis décadas da produção norte-americana. Dionne chega ao Brasil duas semanas após ter ingressado no Rock and Roll Hall of Fame.
“Nunca imaginei que poderia estar lá, foi uma honra, pois mostra como as minhas canções atingiram as pessoas. Pois nunca fui propriamente rock and roll, não é?”.
Temporada
A curta temporada – serão shows em BH, São Paulo (no próximo sábado) e Rio de Janeiro (domingo) – está sendo anunciada como parte da turnê "One last time", sua temporada de despedida dos palcos. Não é bem assim, diz Dionne. “Na verdade, estou ficando mais seletiva, pois, com 83, não dá para ficar seis meses em turnê. Os shows é que não serão mais tão frequentes”, explica.
Não são só os 83 de idade, como também mais de 60 de carreira. Foi em 1962, aos 21 anos, que Dionne estreou com o single “Don’t make me over”. A canção foi um dos hits de seu primeiro álbum, “Presenting Dionne Warwick” (1963).
Já nesta estreia foi firmada a parceria que alavancou sua trajetória. A dupla Burt Bacharach e Hal David compôs a maior parte das canções do primeiro álbum, todas feitas para a voz dela. São pelo menos três dezenas de singles juntos.
Canções como “Walk on by”, “I’ll never fall in love again” e “Raindrops keep fallin’ on my head” podem até ter ganhado outras vozes ao longo da história, mas foram lançadas por ela em gravações que permanecem no imaginário coletivo até hoje. Dionne é dona de números superlativos: 100 milhões de álbuns vendidos e seis Grammy.
Foi ainda na década de 1960 que Dionne veio pela primeira vez ao Brasil, país que visita desde então. Também gravou o álbum “Aquarela do Brasil” (1994), com medley de Tom Jobim e canções como “Piano na Mangueira” (de Tom Jobim e Chico Buarque, que participou do disco) e “Samba dobrado” (de Djavan). Tem registros com vários brasileiros – Ivan Lins, Dori Caymmi, Emílio Santiago e Milton Nascimento, entre outros.
Todo show em território nacional conta com clássicos do nosso repertório. “Sempre gostei do estilo da música brasileira. Acho que desde as minhas primeiras gravações com Burt Bacharach eu já cantava do jeito brasileiro, meio bossa nova”, conta ela, que diz que nos shows geralmente é acompanhada pelo público.
Sua trajetória foi apresentada no documentário “Don’t make me over” (2021), que mostra como a carreira de Dionne não pode ser desvinculada de sua luta contra o machismo e o racismo. E também contra a falta de ação, na década de 1980, do governo norte-americano contra a AIDS. No período, gravou com Bacharach, Stevie Wonder, Elton John e Gladys Knight a canção “That’s what friends are for”, primeira gravação que arrecadou fundos para a conscientização da doença.
Ainda que sua voz passeie pelo soul, blues e jazz, a base de tudo, diz Dionne, está na música gospel, que ela cantava desde menina, junto com a família. “Foi o gospel que me deu a dimensão da importância da melodia, então sempre vai ser meu gênero favorito”.
Tanto ela quanto outros membros de sua família integraram o The Drinkard Singers, o grupo gospel mais bem-sucedido dos Estados Unidos nos anos 1950 – foi inclusive o primeiro a se apresentar no Carnegie Hall e no Newport Jazz Festival.
O que aprendeu em casa, diz Dionne, ela procurou passar para seus filhos e netos. “Basicamente, ser respeitoso, honesto, saber o que é certo e errado e aproveitar a vida. Sou de uma família de mulheres fortes, tanto minha mãe quanto minhas tias foram meu modelo. Sempre passei para os meus filhos o que elas me diziam: ‘Seja apenas quem você é’. E nunca quis ser alguém que não sou. Gosto de quem sou”, afirma.
DIONNE WARWICK
Show nesta sexta (25/10), às 21h, no BeFly Minascentro, Avenida Augusto de Lima, 785, Centro. Ingressos: a partir de R$ 260. À venda na bilheteria e no site ticket360.com.br