Em sua produção mais recente, o artista plástico paulista Diego Mouro mergulhou na tradição, tão intrinsecamente mineira, da congada e dos reinados. Ele apresenta na Mitre Galeria a exposição “E também as flores”, com 15 pinturas a óleo que têm uma centralidade, como o título indica, naquelas plantas – alusão objetiva a Nossa Senhora do Rosário –, mas também dizem da cultura e da religiosidade afro-brasileiras.

 

 


Em agosto de 2024, o congado foi reconhecido como patrimônio cultural, reforçando a relevância dessas tradições para a identidade do país. Mouro resgata não apenas a memória dessas fraternidades, mas também traça um paralelo entre a tradição e o presente, colocando a flor como símbolo de devoção e resistência. Ele observa que as flores são presença marcante na pintura a óleo, linguagem artística a que se dedica.

 

Estúdio em Obra/divulgação - Quadros de Diego Mouro remetem à pintura realizada por artistas negros no início do século 20


Liberdade e crença

“Nesse conjunto, falo um pouco sobre os reinados, a congada. Retrato esse universo enfatizando a fé colocada nas flores ofertadas a Nossa Senhora do Rosário como símbolo de liberdade e crença”, diz.

 



 

Mouro nasceu em São Bernardo do Campo (SP), mas sua família é do interior de Minas, o que explica, em parte, seu interesse por essas manifestações. O artista carrega a lembrança afetiva dos tambores e dos cortejos, mas pontua que sua exposição vai além da memória.

 

Flávio Freire/divulgação - Diego Mouro diz que suas flores são símbolo de fé, liberdade e resistência


“Me interessa a formação católica preta brasileira, muito particular e muito natural nossa, a mistura da cultura centro-africana com a cultura católica, considerando a forma como ela se expressa no Brasil. Me interessa olhar para essa ancestralidade que existe hoje”, diz.

 


Ele chama a atenção para o fato notável de, em pleno 2024, esses movimentos resistirem de forma tão marcante no país não só exaltando, mas simulando um reinado do Congo.

 


“É quase como se agora, neste momento, o Reino do Congo, um dos maiores que já existiram na África, se mantivesse vivo no Brasil, pois segue como uma influência muito forte”, ressalta.

 


O pintor entende como uma “dobra no tempo” a existência pulsante de tais manifestações. “Quando se coroa a rainha ou o rei na congada, estamos remetendo à estrutura que existia antes da chegada dos portugueses no Brasil. É um tempo cíclico”, afirma.

 


Fundador da Mitre Galeria e curador da exposição, Rodrigo Mitre diz que o trabalho de Mouro tem um impacto político e estético que subverte expectativas, pois retrata um universo que se opõe ao apelo fácil das representações trágicas do racismo, que exploram o trauma e a violência. Em vez disso, o artista traz a beleza e a espiritualidade como forma de resistência, com flores mensageiras da herança que não pode ser esquecida.

 


“O que define uma negritude, uma cultura preta brasileira, não negocia com o racismo”, diz Mouro. “É uma história que não precisa passar pelo racismo para ser contada. Os reinados trazem a tecnologia ancestral e ao mesmo tempo avançada de se modificar e continuar existindo, apesar do racismo”, destaca.

 

 

“No terno de congado de Mogi das Cruzes, no interior de São Paulo, consigo ver um símbolo da cosmologia bakongo, é isso que me interessa”, ressalta o artista.

 


Rodrigo Mitre destaca a pesquisa que Mouro desenvolve sobre pintores negros do início do século passado, como Arthur Timótheo e Emmanuel Zamor. Sua fidelidade à técnica do óleo sobre tela reflete o compromisso com a tradição, ao mesmo tempo que desafia convenções contemporâneas.

 


“Quando se fala em pintura no Brasil da primeira metade do século 20, os nomes que vêm são Tarsila do Amaral, Portinari, Anita Malfatti, Di Cavalcanti. Tinha muita gente preta pintando muito bem, mas, ao longo do tempo, essas figuras foram meio deixadas de lado. Diego usa muito de sua pesquisa como referência e até como homenagem, a partir da paleta de cores. Estamos discutindo, primeiramente, sobre pintura”, salienta.

 


Mitre destaca, entre as pinturas de “E também as flores”, a figura da Rainha Belinha, da Guarda 13 de Maio, do Bairro Concórdia, em Belo Horizonte. “Ela representa a terceira ou quarta geração do reinado e está aí, guardando esses mistérios e, ao mesmo tempo, se comunicando com o contemporâneo, com o dia a dia”, diz. 

 

“E TAMBÉM AS FLORES”
Pinturas de Diego Mouro. Mitre Galeria (Rua Tenente Brito Melo, 1.217, Barro Preto). Visitação de terça a sexta-feira, das 10h às 19h; sábado, das 10h às 16h. Até 30 de novembro.

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