Toninho Horta estava desanimado. Era o final da década de 1970 e o mineiro, àquela altura já considerado o quinto melhor guitarrista do mundo pela revista britânica Melody Maker, lutava a duras penas para finalizar o primeiro álbum, “Terra dos pássaros”, produzido de forma independente por ele e por Ronaldo Bastos.
Foi quando a solução caiu do céu, na forma de um envelope pardo, direto dos Estados Unidos para o apartamento no Rio de Janeiro onde viviam Toninho e Gilda Horta. A irmã e parceira inseparável abriu a carta. Dentro havia um gordo cheque. Era o pagamento pelos direitos autorais de “Beijo partido”, canção dele gravada pelo Earth, Wind & Fire em 1977, no álbum ‘All in all’.
Gilda colocou o cheque no bolso, não falou nada e esperou o irmão aparecer. “Eu não tinha dinheiro nem para dar para o guardador de carro na rua. Cheguei em casa desiludido”, lembra Toninho. “Tenho um dinheiro aqui para você terminar o disco”, soltou a irmã. “O que é? Você casou com um lorde inglês? Assaltou um banco?”, retrucou o guitarrista, que recorda a história junto de Gilda. “Depois ainda veio outro cheque”, lembra Gilda, às gargalhadas.
A reportagem do Estado de Minas encontrou com os dois no final de setembro, no Bairro São Lucas, em BH, pouco antes de o compositor partir para um giro de 20 shows na Europa, previstos para novembro, em sua primeira turnê internacional como artista solo. O bate-papo ocorreu no Restaurante do Sorriso, em cujo cardápio o músico está eternizado com o PF Toninho Horta Vegetariano (omelete com ervas finas, salada, arroz, feijão e batatas).
Solos de guitarra
Antes de entrar definitivamente para o menu da música brasileira e mundial com clássicos como “Diana”, “Céu de Brasília”, “Beijo partido” e “Falso inglês” – cantadas por Boca Livre, Simone, Sá, Rodrix e Guarabyra; Milton Nascimento e também “Earth, Wind & Fire” –, Antônio Maurício Horta de Melo, que completa 76 anos em dezembro, ganhava a vida principalmente como guitarrista.
Durante toda a década de 1970, passou por conjuntos de Elis Regina, Edu Lobo e Gal Costa, sem deixar de lado os colegas mineiros no Clube da Esquina, de cujo álbum homônimo participou, em 1972. “Terra dos Pássaros”, no entanto, seria o divisor de águas, a obra em que o jeito tímido de cantar, influenciado principalmente por João Gilberto, apareceria junto aos solos de guitarra e às harmonias inspiradas no jazz moderno que mais tarde impressionariam grandes nomes do estilo e do instrumento, como Pat Metheny e John Pizzarelli. Estava tudo ali: de Beatles, Tom Jobim e Jimi Hendrix até o barroco e o impressionismo erudito que tocava na casa da família Horta.
Era 1976. Toninho havia acabado de gravar, em Los Angeles, o disco “Promises of the sun”, de Airto Moreira, percussionista curitibano e ex-integrante da banda elétrica de Miles Davis. De lá, emendou outra sessão a poucos quilômetros de distância, na ensolarada Malibu, no icônico Shangri-la Studios, que já havia sido utilizado por Bob Dylan e o The Band.
Sobras de estúdio
Com Novelli (baixo), Airto (bateria), Raul de Souza (trombone) e o tecladista uruguaio Hugo Fattoruso (todos figuram em “Terra dos pássaros”), Toninho se juntou a Wayne Shorter e Herbie Hancock, também egressos do grupo de Miles, para as sessões do álbum “Milton”.
No final das gravações, Bituca chamou Toninho e disse que o colega poderia usar o tempo restante no estúdio. “Ele falou: ‘Terminei o disco, vai sobrar uns três, quatros dias. Aproveita as fitas para você gravar um negócio’”, lembra Toninho, que chamou Ronaldo Bastos para ajudá-lo a produzir o álbum.
“Como o estúdio funcionava 24 horas, Toninho falou com os engenheiros: ‘Podemos gravar uma música aqui?’, e o engenheiro disse ‘sim’. Foi aí que começou”, lembra Hugo Fattoruso, que conversou com o EM, por telefone, de Posadas, na Argentina. Fattoruso era outra parte da Orquestra Fantasma, nome que surgiu para a forma de emular a música sinfônica com apenas guitarra e teclados.
“A gente tentava tirar o som de trompa no [sintetizador] minimoog, ou usava pedal de volume [na guitarra] para fazer violino, cello, umas coisas assim”, comenta Toninho Horta. “A vida inteira, desde menino, eu ouvia orquestra. Então o sonho era ter orquestra real. Aí Gilda recebeu o cheque e foi quando eu pude pegar o dinheiro e aplicar no disco para terminar”, relembra o mineiro, que gravou os arranjos escritos por ele mesmo já no Brasil, entre São Paulo e Rio de Janeiro.
Show em dezembro
Toninho Horta vai celebrar os 45 anos de “Terra dos pássaros” em Belo Horizonte no próximo dia 7 de dezembro. O show será às 21h, no Grande Teatro do Sesc Palladium e terá as participações de Joyce, Wagner Tiso, Robertinho Silva, Nivaldo Ornelas e Lena Horta.
Toninho estará acompanhado no palco pela The Birdland Band, que conta com Beto Lopes (baixo), Cyrano Almeida (bateria) e Tatta Spalla (violões e guitarra).