Drummond entendeu que poesia é um negócio de grande responsabilidade, não considerando “honesto rotular-se de poeta quem apenas verseje por dor de cotovelo, falta de dinheiro ou momentânea tomada de contato com as forças líricas do mundo, sem se entregar aos trabalhos cotidianos e secretos da técnica, da leitura, da contemplação e mesmo da ação”, conforme escreveu em “Confissões de Minas” (1944).

 




A frase do itabirano reverbera 37 anos depois de sua morte e serve como premissa para os poetas e músicos belo-horizontinos Antonio Pereira Gomes Neto e Marcos Braccini ao escrever. Respectivos pai e filho, os dois estão lançando “Calada palavra”, livro de Antonio; e “Pérola abstrata”, de Braccini; nesta quinta-feira (31/10), no Teatro Marília.

 


As publicações saem pela Klave Editora, recém-lançado braço do selo musical Klave, de Braccini. A editora, explica ele, nasceu da necessidade de gerir e dar vazão aos próprios projetos, assim como vem fazendo com suas músicas desde 2016, quando fundou o selo musical.

 


“Mas isso não significa que não enfrentamos dificuldades”, diz Braccini. “(Eu e Daniel Cavalcanti, designer e sócio da Klave Editora) Tivemos que aprender todas as etapas de produção e, de repente, eu me vi na posição de editor do meu pai. Selecionando os poemas que entrariam e pensando na disposição deles.”

 


Foi assim que “Calada palavra” ganhou o formato final, com poemas escritos em diferentes épocas (desde a década de 1960 até os mais recentes) divididos em três capítulos: “A imposição da poesia”, “Calada palavra” e “Amar é demasia”.

 


Amores e poesias

Os textos se apresentam ao leitor como uma trajetória sem desvios de um eu-lírico analisando sua própria relação com a poesia e as palavras (“A poesia se impõe e eu me submeto”, conforme Antonio escreve no primeiro verso do primeiro poema do livro).

 


Nessa trajetória, o poeta rememora a mulher amada (“A poesia começa e termina em você”). E, por vezes, a poesia na sua mais abstrata ideia se confunde com a figura da amada que não retribui o afeto; sendo ora pessoa, ora palavra (“Foi quando, então, percebi / que eras tu a poesia”).

 


As angústias que isso provoca são postas no segundo capítulo, com o poeta se vendo em cacos e preso entre quatro paredes, como se estivesse dentro de um cofre, morrendo de tédio (“E dado que o coração / ao coração não chegava / meu peito, então, logo foi / se acostumando, sem mágoa / às pálidas manhãs”).

 


A redenção, no entanto, vem no terceiro e último capítulo, quando o poeta, já conformado com a indiferença, vislumbra um rasgo de esperança. É em “Amar é demasia” que o leitor se depara com versos como “Percebi-me, então, comigo / no momento mais preciso / em que teu sorriso largo / atravessava a manhã /e éramos nós e o rio”.

 


“Foi difícil estabelecer um critério, porque existem ali poemas com temáticas diferentes. A ideia, então, foi fazer um pequeno mosaico com algumas coisas que fossem diferentes, algumas coisas que falassem estritamente de amor e de relações afetivas, e ainda outras que dissessem respeito a reflexões mais introspectivas”, conta Antonio.

 


Terceiro livro

Se “Calada palavra” possibilita a interpretação de uma narrativa retilínea, o mesmo não pode ser dito de “Pérola abstrata”. Terceiro livro de poemas de Braccini – ele lançou “Exemplar disponível ao roubo” (2011), pela editora Autêntica, sob o pseudônimo Miguel Capobianco-Livorno; e “Porenquantoparasempre” (2014), pela editora Aletria –, “Pérola abstrata” é um conjunto de experimentações nas quais a qualidade sonora das palavras ou sua disposição ao longo do texto (como faziam os concretistas) têm mais importância para a compreensão do poema.

 


É o caso de um poema sem nome que se resume na frase: “Cada degrau ao alto uma chance de queda”, onde as palavras são postas como se estivessem “subindo uma escadinha” e a última (“queda”) é disposta muitos centímetros abaixo, emulando a própria queda. Ou em “Entre quatro paredes”, no qual cada palavra da frase “Não parei de andar em círculos” forma um quadrado.

 


Nada disso é inédito na poesia, mas, certamente, agrada aos olhos do leitor. O ineditismo, por sua vez, está no galope à beira-mar (poema hendecassílabo, semelhante ao cordel) concebido por Braccini.

 


“Eu tentei fazer um galope beira-mar, mas me equivoquei com a métrica. Coloquei versos com 10 sílabas ao invés de 11. Um colega que me chamou a atenção para isso, alertando que não se tratava de um galope à beira-mar”, lembra Braccini.

 


“Aí a gente brincou que, como Minas Gerais tem rio e não mar, aquele poema seria um ‘galope à beira-rio’”, brinca.

 


Com o lançamento de “Calada palavra” e “Pérola abstrata”, Braccini se prepara para posicionar a editora no circuito literário. Já no próximo sábado (2/11), eles fazem o lançamento na programação do Flitabira, na cidade de Drummond, e na sequência começam a trabalhar outros materiais que serão publicados em breve.

 


“Nossa ideia é aumentar o número de escritores, e não ficar somente na autopublicação”, afirma Braccini. “Portanto, estamos abertos a novos projetos”, acrescenta, em tom convidativo.


“CALADA PALAVRA”
• Antonio Pereira Gomes Neto
• Klave Editora (89 págs.)
• R$ 49


“PÉROLA ABSTRATA”
• Marcos Braccini
• Klave Editora (100 págs.)
• R$ 40


• Lançamento nesta quinta-feira (31/10), às 19h30, no Teatro Marília (Av. Prof. Alfredo Balena, 586, Santa Efigênia). Exemplares à venda no local ou pelo klavestudio@gmail.com.

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