Ouro Preto – Impossível o meio termo, a completa indiferença ou simplesmente fingir que não sentiu nada. Ao sair do Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, na Região Central de Minas, após conhecer a mostra “Refundação”, comemorativa dos 80 anos do equipamento cultural, o visitante, com certeza, terá uma opinião bem definida e tocada pelos extremos.
Polêmica por excelência, “Refundação” divide opiniões, causando incômodo a muitos e se revelando salutar a outros tantos. Nesse cenário da primeira cidade brasileira reconhecida como Patrimônio Mundial, há os que consideram a mostra um ultraje à história das Gerais, enquanto outros enxergam um novo significado para a instituição.
A exposição temporária, com 140 obras de 120 artistas brasileiros, incluindo mineiros, tem mesmo o sentido de provocar. “Provocação positiva do debate, da reflexão”, defende Alex Calheiros, diretor do Inconfidência, que é vinculado ao Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e ao Ministério da Cultura.
Há pouco mais de um ano no cargo, Calheiros rebate as críticas vindas principalmente dos que veem como total desrespeito misturar, em 17 salas da antiga Casa de Câmara e Cadeia de Vila Rica (antigo nome de Ouro Preto), a arte contemporânea ao precioso acervo dos tempos colonial e imperial.
Em sua primeira visita ao Inconfidência, onde foi para tratar de assunto que não era a exposição, o arcebispo de Mariana, dom Airton José dos Santos, não gostou do que viu, considerando “Refundação” “uma ideologia apresentada de modo grotesco”.
Ele disse que vai enviar carta à direção do museu e do Ibram, ao Ministério da Cultura e à Associação dos Amigos do Museu da Inconfidência, entre outros órgãos e entidades, manifestando sua posição.
“O acervo inclui arte sacra, objetos históricos, imagens, símbolos religiosos. As pessoas chegam para ver peças sobre o movimento político e libertário que foi a Inconfidência, e veem algo que, do ponto de vista estético, histórico e moral, está fora de contexto, não tem significado”, afirma.
Juízo de valor
O arcebispo diz que não está fazendo juízo de valor sobre a mostra, mas avalia que ela agride a Igreja – numa forma de intolerância religiosa –, assim como a Justiça e outras instituições. O vasto território da Arquidiocese de Mariana, a primeira de Minas, inclui Ouro Preto – e da cidade de Mariana, na década de 1940, vieram as peças que deram início à coleção do Museu da Inconfidência.
Já o diretor Alex Calheiros defende que “museu não é espaço sagrado, muito menos galeria de arte”. “Aqui, em Ouro Preto, há um público mais sensível, religioso, que discorda. São vozes dissonantes. Queremos que as pessoas olhem para esse acervo e questionem, reflitam sobre o passado colonial, a escravidão e demais aspectos da história”, afirma.
No material de divulgação sobre a mostra comemorativa de oito décadas do Inconfidência – com cerca de 300 mil visitantes por ano, o segundo mais visitado dos museus vinculados ao Ibram (o primeiro é o Imperial, de Petrópolis, no Rio de Janeiro) – a diretoria da instituição diz o seguinte: “A ‘Refundação’ chega para fortalecer o reposicionamento institucional do Museu da Inconfidência, momento no qual, a partir de inúmeras iniciativas, a instituição vem ampliando o diálogo com diversos públicos e revisando suas narrativas expográficas”.
Dentro desse conceito, o visitante poderá ver, até 10 de novembro, a imagem barroca de Nossa Senhora do Rosário, esculpida em Paracatu (Noroeste do estado), carregando na mão direita óculos de grau, desses de leitura, remendados com fita crepe.
Também esculturas de órgãos genitais femininos, colocados dentro de uma gaveta entreaberta, ou três fotos, com o mesmo motivo (o órgão sexual feminino), embora manchadas de sangue: uma sobre a cama de dossel com fino tecido branco, e as demais, nas laterais, penetradas pelo fórceps. “Uma forma de falar sobre a violência contra a mulher”, observa o diretor.
Há também bonés de crochê, com figuras de bonecos, entre objetos litúrgicos (crucifixo de prata, turíbulo e ostensório) e outras intervenções entre vestimentas usadas em festas de reisado e no Triunfo Eucarístico, em 1733, a maior festividade religiosa dos tempos coloniais; uma bandeira da Palestina no Panteão dos Inconfidentes – do outro lado da bandeira de Minas, está um tecido preto, cobrindo a de Israel, feita a partir da representação de notas de dólares; e o desenho de um jovem com o rosto tampado pela camisa, como se fosse uma balaclava, atrás da imagem de São Jorge, esculpida por Antônio Francisco Lisboa, o Aleijadinho (1738-1814).