No escritório de casa, o jornalista e escritor Ernesto Rodrigues coloca o monitor do computador sobre uma caixa de papelão e, à medida que escreve, faz anotações nesse suporte improvisado. Nos últimos tempos, enquanto trabalhava em “A Globo – Hegemonia”, biografia sobre a trajetória da Rede Globo, lançada neste mês pela Editora Autêntica, ele não deixava de notar a palavra “Elegância” escrita na caixa de papelão. “Eu não queria ser grosseiro com ninguém”, comenta ele à reportagem, por telefone.
“Não queria dividir os personagens em bandidos e mocinhos. Tanto é que há pessoas que, num primeiro momento, fazem coisas gratificantes e depois protagonizam momentos deploráveis. E o contrário também”, acrescenta. “A Globo – Hegemonia” é o primeiro volume de trilogia que incluirá ainda “A Globo – Concorrência” e “A Globo – Metamorfoses”, ambos previstos para lançamento no próximo ano, também pela Editora Autêntica.
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Nomes fortes
Contemplando desde o início da Globo, em 1965, até a cobertura das Diretas Já!, em 1984; este primeiro volume da trilogia mostra como e porquê a emissora se tornou a maior do país em menos duas décadas. Rodrigues evita um tom de institucionalidade ou panfleto sensacionalista – ele próprio foi editor do “Jornal hoje” e “Jornal nacional”, mas acabou demitido em 1999, após noticiar erroneamente a morte do atleta olímpico João Carlos de Oliveira, o João do Pulo.
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Ao longo do livro, ficamos sabendo que, além de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, e Walter Clark, outros nomes foram fundamentais na estruturação da Globo: José Ulisses Arce, responsável pela conquista do mercado publicitário, e o americano Joe Wallach, que, em termos práticos, foi essencial na organização da emissora.
Wallach, funcionário do grupo norte-americano Time-Life, firmou um acordo de cooperação com a Globo em 1965. A emissora comprometeu-se a adquirir e instalar equipamentos de transmissão de televisão, construir uma sede no Rio de Janeiro e obter a concessão para operar o canal 4 da cidade. Em contrapartida, os americanos forneceriam informações técnicas, treinariam profissionais da Globo e ofereceriam assessoria administrativa e de engenharia.
Ditadura e lendas
Esse acordo, no entanto, foi problemático para ambos os lados. De um lado, a Globo passou anos em dívida com o grupo Time-Life; do outro, o Congresso Nacional abriu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) a pedido de Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, alegando que o acordo violava o Artigo 160 da Constituição brasileira, que proibia a participação estrangeira na gestão de empresas de comunicação. Curiosamente, foi o próprio Lacerda quem sugeriu a Roberto Marinho o acordo com o grupo americano.
“A Globo cresceu a tal ponto que se firmou no imaginário brasileiro, fazendo com que muitas pessoas acreditassem em lendas e teorias da conspiração”, explica Rodrigues. “O exemplo mais clássico é a ideia de que Roberto Marinho teria obtido as concessões durante a ditadura. Na verdade, foi Getúlio Vargas quem deu e depois retirou, e Juscelino Kubitschek quem devolveu.”
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O jornalista também aborda temas polêmicos envolvendo a Globo na ditadura, como o desaparecimento de fitas de reportagens censuradas e o incidente do Atentado ao Riocentro, em 1981, no qual uma reportagem mencionou duas “bombas” enquanto exibia cilindros de gás lacrimogêneo. Esse episódio incomodou tanto militares, que acusaram a Globo de mentir, quanto jornalistas que reconheceram o erro.
Assédios e intrigas
Na área de dramaturgia, o livro revela um ambiente conturbado, marcado por assédio moral e intrigas. A autora Glória Magadan, por exemplo, saiu da emissora após um complô envolvendo Boni, Daniel Filho e outro funcionário não identificado. Em outra ocasião, o diretor Walter Avancini manteve as gravações enquanto o barco de Tarcísio Meira afundava em cena, quase levando o ator ao afogamento.
Foi também nessa época que Regina Duarte ganhou o título de “Namoradinha do Brasil”, sendo a principal estrela feminina das novelas e séries icônicas como “Malu mulher” e “Roque Santeiro”.
Rodrigues explora as tentativas de driblar a censura nas novelas e recorda o episódio em que Cid Moreira foi criticado pelos militares por sua expressão ao ler uma notícia desagradável. Há ainda momentos de nostalgia, relembrando produções que marcaram gerações, como “Pecado capital” e “Dancin’ days”.
Amada ou criticada, a Globo assumiu um papel de protagonismo na comunicação brasileira por muitos anos. No entanto, Rodrigues não busca homenageá-la ou condená-la, mas sim retratar sua história sob os mais diversos ângulos possíveis.
“A GLOBO – HEGEMONIA”
• De Ernesto Rodrigues
• Autêntica
• 672 páginas
• Preço sugerido: R$ 129,80