Os brasileiros podem ser ainda coadjuvantes na cerimônia do Grammy Latino, com indicações em poucas das categorias principais aquelas que não são dedicadas apenas à música cantada em português.
No entanto, eles chamaram a atenção ao usarem seu trabalho como plataforma para reivindicações políticas e, ao mesmo tempo, mostrarem os gêneros criados em seu país a partir das fricções sociais, caso do funk de Anitta e do rap de nomes como Xamã.
Ainda que a cerimônia, que aconteceu na noite de quinta-feira (14/11) em Miami, não tenha tido manifestações explícitas, houve alfinetadas a Donald Trump, a exemplo do discurso de Luis Fonsi, do megahit "Despacito". O artista lembrou a piada insultuosa que viralizou num comício do republicano, ao dizer que seu prêmio de melhor álbum pop vocal, por "El Viaje", iria logo para Porto Rico, "o lugar mais belo do mundo" o que bastou para a plateia irromper em gritos e aplausos incessantes.
Um dos queridinhos do cinema e do teatro musical americano contemporâneos, Lin Manuel-Miranda, também de origem porto-riquenha, afirmou que queria dedicar a homenagem que recebeu do Grammy ao país de onde vieram seus pais e "lembrar a Casa Branca e o Congresso que somos humanos".
Os artistas dizem ver uma ameaça generalizada à cultura, sobretudo àquela feita por latino-americanos, com a volta de Trump. Foi o caso de Xamã, que cruzou o tapete vermelho com um blazer verde e um cocar. Vencedor da melhor interpretação urbana em língua portuguesa, ao lado de Gabriel O Pensador e Lulu Santos, com "Cachimbo da Paz 2", ele lembrou sua origem pobre no Rio de Janeiro.
"O Grammy é uma plataforma para dizermos que existem muitas coisas que acontecem com os povos indígenas no Brasil, como violência e descaso", afirmou o artista, descendente do povo pataxó. "A gente sofreu muito de 2018 a 2022, quando comecei a fazer rimas nas ruas, me politizei. Com o governo Bolsonaro, a cultura ficou quebrada, e nos Estados Unidos não é diferente."
Quem também atraiu olhares foi Alok, ao chegar à cerimônia acompanhado de sete lideranças indígenas, com seus cocares, que criaram um contraste com os looks do tapete vermelho e podiam ser vistos de longe. O grupo concorria à melhor interpretação de música eletrônica latina com "Pedju Kunumigwe", parte do último álbum do DJ, "Futuro Ancestral", que reúne cantos de oito povos originários mesclados com suas batidas eletrônicas.
"Quando lancei este álbum, nunca pensei em jogar o jogo mercadológico, em fazer sucesso. Queria trazer conscientização e amplificar as vozes indígenas. A gente fala das florestas, mas somos desconectados delas, e os cantos podem criar essa ponte", disse o DJ, que logo passou a palavra para Célia Xakriabá, deputada federal do PSOL que esteve ao seu lado na produção do disco.
"Quando Alok me convidou, estava puxando o movimento da luta territorial e disse que não podia, mas me convenci de que era a oportunidade de trazer para o palco os 1,7 milhões de indígenas que estão por todo o Brasil e são a linha de frente para as questões ambientais no país", afirmou Célia.
A cerimônia não foi de grandes vitórias para os brasileiros. Xande de Pilares, que concorria ao prêmio máximo com o álbum em que interpreta clássicos de Caetano Veloso, perdeu para o dominicado Juan Luis Guerra, conhecido por seu hit "Burbujas de Amor". Anitta, que disputava a gravação do ano com "Mil Veces", de seu álbum de funk feito para exportação, também perdeu para Guerra.
No entanto, assim que Anitta subiu ao palco, a plateia ficou extasiada ao vê-la interpretar "Mas que Nada", ao lado de Tiago Iorc, em tributo a Sergio Mendes, o músico brasileiro mais famoso nos Estados Unidos, que morreu em setembro. Era a prova de que, embora o Brasil tivesse uma presença tímida na premiação, sua música era uma das mais lembradas da noite.
CATEGORIAS DO BRASIL
Antes da premiação principal, foram entregues outros prêmios, inclusive aqueles concedidos exclusivamente à música brasileira. O mais premiado foi Jota.pê, que venceu as três categorias em que estava indicado.
O cantor de 31 anos da cidade de Osasco, em São Paulo, recebeu a estatueta de melhor álbum de música popular brasileira/música afro portuguesa brasileira, com "Se meu peito fosse o mundo", que também conquistou o prêmio de melhor álbum de engenharia de gravação. Ele ainda levou o prêmio de melhor canção em língua portuguesa, com sua música "Ouro marrom".
"Eu estou muito surpreso. É uma honra estar aqui, houve um tempo que viver de música para mim era menos do que um sonho, era uma dúvida. É muito especial estar aqui anos depois de acreditar em meu sonho e ver que é possível viver de música para um cara preto de Osasco", afirmou o artista em seu discurso.
A categoria de melhor álbum de samba e pagode, por sua vez, ficou com o cantor Xande de Pilares, que venceu pelo álbum "Xande canta Caetano", de 2023. Em seu discurso de aceitação, ele citou uma de suas músicas, "Tá Escrito".
"Na vida precisa aprender se colhe bem o que plantar, é Deus quem aponta a estrela que tem que brilhar", disse ele.
Quem recebeu o prêmio de melhor álbum de música sertaneja foi a cantora Ana Castela, que conquistou a categoria por "Boiadeira internacional (Ao Vivo)". Ela celebrou a estatueta dois dias antes do seu aniversário.
A categoria de melhor álbum de rock ou de música alternativa em língua portuguesa ficou com Erasmo Carlos, morto em 2022, por "Erasmo Esteves". Em seu lugar, Leonardo Esteves, filho do cantor, recebeu a estatueta.
Lulu Santos, Xamã e Gabriel O Pensador conquistaram o prêmio de Melhor Interpretação Urbana em Língua Portuguesa, com o sucesso "Cachimbo da paz 2".
Álbum mais recente do bruxo Hermeto Pascoal, "Pra você, Ilza", dedicado à mulher do músico, recebeu o prêmio de Melhor Álbum de Jazz. Já Hamilton de Holanda & C4 Trío foram agraciados com o prêmio de Melhor Álbum Instrumental, pelo disco "Tembla".
Luísa Sonza, Juliana Velásquez e Maria Becerra foram as cantoras responsáveis pelo anúncio dos vencedores, e a artista Gloria Groove ainda entregou algumas das estatuetas. Os cantores Jão e Simone Mendes, por sua vez, se apresentaram durante a premiação, onde compartilharam seus sucessos "Alinhamento milenar" e "Erro gostoso".
PRINCIPAIS PREMIADOS
Álbum do ano - Radio güira, Juan Luis Guerra
Gravação do ano - "Mambo 23", Juan Luis Guerra
Canção do ano - "Derrumbe," Jorge Drexler
Canção pop - "Feriado", Rawayana
Revelação - Ela Taubert
Álbum de música urbana - "Mañana Será Bonito (Bichota Season)", Karol G
Canção urbana - "Bonita", Daddy Yankee
Álbum de rock - "El Dorado (En Vivo)", Aterciopelados
Álbum de pop/rock - "Reflejos De Lo Eterno", Draco Rosa
Álbum de música alternativa - "Autopoiética", Mon Laferte