Selton Mello como Rubens Paiva, em Ainda estou aqui -  (crédito: Videofilmes/divulgação)

Selton Mello como Rubens Paiva, em Ainda estou aqui

crédito: Videofilmes/divulgação

Selton Mello afirma que “Ainda estou aqui”, longa de Walter Salles sobre a saga de Eunice Paiva após o assassinato do marido, ex-deputado Rubens Paiva, pela ditadura militar, emociona públicos de vários países porque fala de perda e família. “É um filme seco, contido. E talvez exatamente por isso causa tanta emoção; a contenção dessa mulher na narrativa é tão forte que você explode por ela”, comenta. O filme está em cartaz nas salas de BH.

 


Segundo dados da Associação Brasileira das Empresas Exibidoras Cinematográficas (Abraplex), a produção atraiu mais de 353 mil espectadores em seus primeiros dias em cartaz. Em apenas quatro dias, o longa arrecadou R$ 8,5 milhões.

 

Como foi a preparação para interpretar Rubens Paiva?

Foi um trabalho mais espiritual do que técnico. Não tive acesso a nenhum vídeo, até porque não tem vídeo dele, somente áudio. Mas não quis ficar ouvindo como ele falava, fazer a voz dele... O que mais me interessava era o espírito dele. O que ele emanava. Se tivesse em um almoço, que impressão ele causava? E as impressões que ele deixou nos amigos? Quais lembranças os filhos têm dele? Essas coisinhas eu fui pegando aqui e acolá e fui entendendo que Rubens era uma figura luminosa, marcante, carismática. A missão era, no início do filme, ter uma presença marcante o suficiente para ser uma experiência de perda e saudade para Nanda (Fernanda Torres, que faz Eunice Paiva) e para o público ao mesmo tempo. Os dois precisam sentir essa falta. Agora tenho escutado pessoas dizendo: ‘Queria tanto que você tivesse aparecido mais...’. Enxergo isso como um excelente elogio. É sinal de que deu certo: entreguei o que o Walter planejou. E ao mesmo tempo é um tributo à memória dele. Fiz esse trabalho de uma forma muito respeitosa, pedindo licença para dar vida a ele. Até falar com os filhos, para mim, era uma coisa difícil. Falei com o Marcelo (Rubens Paiva, autor do livro ‘Ainda estou aqui’), que conheço há muitos anos, e ele primeiro me apresentou duas irmãs, a Nalu e a Vera. Fizemos um zoom, ficamos bastante tempo conversando. Mas era difícil. Eu pensava: ‘O que eu vou ficar perguntando a elas sobre esse pai que foi assassinado?’ Tentei fazer isso com muita delicadeza.

 

 

Nas sessões de “Ainda estou aqui” no exterior que você acompanhou o que mais chama atenção do público?

O filme tem emocionado todas as culturas e línguas porque fala de família e de perda. Fala sobre a falta de alguém: se você perdeu uma avó, mãe, pai, filho, numa circunstância X ou Y, o filme acaba te pegando em algum lugar. E é um filme austero, diametralmente oposto ao ‘Lavoura’ (Arcaica, que Selton protagonizou), que é barroquíssimo. ‘Ainda estou aqui’ é um filme seco, contido. E talvez exatamente por isso causa tanta emoção; a contenção dessa mulher na narrativa é tão forte que você explode por ela. Como público, eu sinto um pouco isso. Já que ela (Eunice) não grita, o espectador não aguenta também de emoção e transborda. Pode ser aos 40 minutos de filme, uma hora, uma hora e meia... E se você não chegou até lá, na hora em que a Fernandona (Montenegro) entra... Aí é lá. Em cinco minutos, sem dizer uma palavra. Um negócio arrebatador.

 

 

Você tem bem menos tempo de tela do que Fernanda Torres. Como tornar essa presença marcante?

O desafio era esse: com poucos acordes fazer uma bela canção.

 

 

Como foi o trabalho com as crianças e adolescentes que interpretam os cinco filhos de Rubens Paiva?

Foi uma troca muito boa. A gente acaba ensinando para eles coisas técnicas do nosso ofício, como fazer uma mesma cena quatro vezes. Mas eles também ensinam a gente, porque têm o principal da profissão: o frescor. A pureza que os mais novinhos têm de não ter o texto tão decoradinho... Eles também são professores nossos.

 

 

Você também começou a atuar quando era criança.

Exato. Por isso, tinha um sabor duplo: relembrar a minha história. De onde eu vim, uma época muito pura na forma de se expressar.

 

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Você já havia trabalhado com muitos diretores brasileiros, mas ainda não tinha sido dirigido por Walter Salles. Imaginava que isso aconteceria?

Pra ser sincero, não imaginava. Foi uma surpresa quando ele apareceu querendo falar comigo. Acho que ele enxergou que eu tinha algo que não se explica e que era importante para o Rubens. E foi um convite, não um teste. Tanto que ele não testou outros atores. Foi numa conversa, e eu falei: ‘Isso é um convite?’ E ele falou: ‘É’. Aí eu falei: ‘Eu topo, vambora’. Foi assim. Aí me falou do filme, do Rubens, do roteiro que estava em processo, mas já deu para entender o recorte que ele faria... Ele me deu o livro porque esse do Marcelo (Rubens Paiva) eu ainda não tinha lido. Li e entendi o que ele estava atrás e fui caminhando com ele e com a Nanda.

 

O que chamou a sua atenção na forma de trabalhar de Walter Salles?

A meticulosidade. E me chamou também atenção a maturidade. Nessa altura da vida dele, com a experiência dele. É preciso muita maturidade para ser simples. É preciso ter muitas ferramentas para não usá-las. Ele vai no seco, ele vai no menos. Não tem dó de peito, não tem movimentos mirabolantes de câmera. Ele não canta a bola, não chantageia. Isso é maturidade. Aprendi demais como ator e como diretor. Saio muito abastecido e muito impactado com a experiência que certamente vai me influenciar. Foi uma experiência definitiva na minha vida.

 

Como foi o reencontro com Fernanda Torres?

Nanda é uma parceira maravilhosa porque é muito divertida. Mesmo fazendo uma coisa trágica, o bastidor é leve porque ela tem o dom de tornar o ambiente assim.

 

Há toda uma geração que não viu vocês dois em papéis dramáticos, mas em comédias como “Os normais”.

Essa é a beleza da profissão. A gente está sempre tentando se reinventar e descobrir novas formas. É bonito isso. Tá vindo o Chicó de novo na sequência (em “Auto da Compadecida 2, que estreia em 25/12). Depois, “Enterrem seus mortos” (filme de Marco Dutra baseado em livro de Ana Paula Maia, ainda sem data de estreia), que eu amei fazer: um western apocalíptico de terror, mistura louca que eu nunca tinha feito, um outro registro. É isso que me move, isso dá tesão na vida e nos mantém com olho aberto, querendo se reinventar e fazer coisas novas.